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Crítica | Decálogo 8 – Não Levantarás Falsos Testemunhos

por Luiz Santiago
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Em Não Levantarás Falsos Testemunhos temos a história de uma pesquisadora judia que se encontra com uma professora de ética 45 anos depois desta ter-lhe negado ajuda durante a Segunda Guerra Mundial. Sob o mandamento de que não podia prestar falso testemunho batizando a criança ou assumindo-lhe a criação, a mulher e seu companheiro de Resistência deixam a menina à mercê das forças nazistas. É quando um abismo ético se abre. Um abismo que irá sugar para si não só as protagonistas do evento mas também àquelas pessoas que estiverem em contato com a religiosa e a criança ao longo dos anos.

Não é difícil percebermos que o ponto central do Decálogo 8 é o dilema moral do cristão ou de qualquer outro indivíduo diante de uma situação onde precisa escolher entre contar uma mentira ou contar uma verdade. Se é a santidade da verdade que o mandamento bíblico destaca, Kieslowski coloca em cena a dificuldade desta verdade vir à tona ou sair vitoriosa quando está rodeada pelo mal em desespero.

O roteiro é pouco clemente com os personagens, tratando cada um com um tom bastante forte de melancolia e desapego, sensações que ganham ares de terror através da música de Zbigniew Preisner, marcada por temas sombrios, instrumentos em pizzicato e solos de violoncelo ou notas menores ao piano sempre que a câmera filma lugares escuros, com pouca luz ou eventos um tanto incógnitos como o desenvolvimento da vida das protagonistas até aquele momento ou o quadro mal colocado na parede, uma possível metáfora da vida da professora de ética, sempre precisando de algum tipo de ajuste, mas trazendo a rotina do “endireitar o quadro toda vez que ele entorta” ao invés de resolver o problema de uma vez por todas.

É a partir desta visão de comodidade, silêncio ou covardia diante de uma situação – a mesma situação que gerará espaço para a ação da mentira ou da verdade – que o roteiro de Kieslowski e Piesiewicz é construído. Vejam que a primeira sequência realmente importante do episódio acontece na aula de ética de Zofia e, o que se passa aí, tem um forte impacto inicial na velha professora, que percebe o seu objeto de críticas voltar-se “contra ela”. O que dá partida a toda trama é o exemplo de uma aluna para um dilema ético que condiz exatamente com a história de Não Usarás o Nome de Deus em Vão, o Decálogo 2. Atingida pela história, Elzbieta, a agora crescida criança judia “abandonada” pelo casal polonês durante a Segunda Guerra, sente a necessidade de expor o seu fardo, não o fazendo de forma direta mas, mesmo assim, atingindo em cheio a professora Zofia.

Não apenas a questão do falso testemunho mas todo o comportamento dos personagens são colocados em cena num patamar filosófico bastante intricado neste Decálogo 8. O personagem angelical e misterioso aparece aqui como aluno da universidade e acompanha com atenção a exposição de Elzbieta sobre a criança judia abandonada. Há muita tensão no ar. Culpa. E assim como em Não Roubarás, temos uma punição emocional ou sentimental para algo que por muito tempo esteve encerrado em si mesmo, carcomendo-se na consciência humana, o que torna a punição divina algo irrelevante pelo estrago que a própria consciência fez antes da chegada desse “castigo”. Ou seria a própria consciência uma espécie de punição de Deus?

O Decálogo 8 questiona a dualidade entre o bem e o mal e a visão bruta de que a mentira (ou o falso testemunho contra o próximo, que é, a rigor, uma mentira aprimorada) sempre é pecado e passível de punição. A pegunta “é correto mentir em alguns momentos?” pode ser considerada, e o episódio aborda a forma como um evento pode mudar por completo a vida de uma pessoa, inclusive a sua relação com a fé. No final das contas, sobra-nos a reflexão sobre o perigo de enxergar o mundo em preto e branco, sem tons de cinza no meio, uma visão que muitas vezes pode dar em algo muito pior do que mentir por uma causa justa.

Decálogo 8 – Não Levantarás Falsos Testemunhos (Dekalog, osiem) — Polônia, 1990
Direção: Krzysztof Kieslowski
Roteiro: Krzysztof Kieslowski, Krzysztof Piesiewicz
Elenco: Maria Koscialkowska, Teresa Marczewska, Artur Barcis, Tadeusz Lomnicki, Wojciech Asinski, Marek Kepinski, Jerzy Schejbal, Wojciech Starostecki
Duração: 55 min.

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