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Crítica | Deadwood – 3ª Temporada

por Ritter Fan
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  • Leiam, aqui, as críticas de todas as temporadas. 

Um mês antes da estreia da terceira temporada de Deadwood, a HBO noticiou que não exerceria a opção de contratação do elenco para mais uma temporada, efetivamente encerrando a série de David Milch antes que toda a história fosse contada, em uma decisão frustrante tanto para o showrunner quanto para quem acompanhava essa maravilha televisiva na época. Rumores de que dois filmes seriam produzidos para dar um encerramento digno começaram a surgir logo depois e, ao longo dos anos seguintes, muito se falou sobre um longa-metragem, algo que só viria a acontecer em 2019, 13 após o abrupto fim de uma das melhores séries já feitas.

Trágico, sem dúvida, mas, mesmo assim, Deadwoood pode facilmente ser assistida até mesmo sem o filme recentemente lançado, já que Milch preocupou-se em seguir os acontecimentos históricos mais amplos de maneira muito próxima ao que realmente aconteceu, pelo que, ao final da terceira temporada, uma boa pesquisa pela internet – ou a leitura de um dos diversos livros disponíveis sobre o hoje lendário local da fronteira americana – tornou possível que os fãs imaginassem o encerramento que o showrunner daria. Fica aquela tristeza e a aquela sensação de perda, mas isso não retira o brilho da derradeira temporada, no mínimo tão boa quanto ao que veio antes.

O foco central da temporada é, claro, a chegada de George Hearst (Gerald McRaney em atuação assustadora) ao final da anterior. Seis semanas se passaram e o ainda acampamento Deadwood prepara-se para ser anexado ao território de Dakota (hoje Dakota do Sul, depois da divisão) e para passar por sua primeira batelada de eleições para prefeito e xerife, com os amigos e sócios Sol Star (John Hawkes) e Seth Bullock (Timothy Olyphant) como respectivos candidatos. Os dois acontecimentos – a presença do milionário Hearst e a proximidade das eleições – não são coincidência e representam a efetiva chegada da civilização, retirando a localidade sem lei da barbárie e do caos e preparando-a para o futuro.

O genial da abordagem de Milch, porém, é deixar claro que essa “mudança”, não é realmente uma mudança significativa ou mesmo uma evolução. Caos e civilização, conforme ele deixa claro no desenrolar da temporada, andam de braços dados, muitas vezes confundido-se. Hearst é o rosto do progresso e ele tem aparência simples, não se preocupa com luxos, põe a mão na massa e parece, em uma primeira impressão, uma pessoa normal, um homem honesto e de bem. Mesmo sabendo que ele não é exatamente assim, considerando o que aprendemos sobre seu braço direito e geólogo Francis Wolcott (Garret Dillahunt), a força disruptiva da temporada anterior, ficamos curiosos pela postura mais mundana e terrena que Hearst assume sem efetivamente precisar.

Mas a temporada não demora para desmascarar o milionário, algo que começa com as mortes de alguns trabalhadores britânicos da Cornualha que ele emprega em suas minas, já que eles, aparentemente, são sindicalistas ou, pelo menos, tentam reunir os demais ao redor de um pleito comum. Essa temática não é o foco da temporada e não é explorada em detalhes, mas fica como um pano de fundo que já deixa evidente o tipo de tática utilizada por Hearst para evitar levantes em suas operações. Mas é essa mesma estratégia que o milionário começa a empregar em Deadwood, de forma a ter o controle completo sobre a futura cidade, o que inclui fazer de tudo para comprar a rica jazida de ouro de Alma Garret (Molly Parker), agora casada com Whitney Ellsworth (Jim Beaver), e enfraquecer Al Swearengen (Ian McShane) e Cy Tolliver (Powers Boothe), colocando-os sob seu jugo.

A complexidade narrativa é amplificada nesta temporada, com uma tapeçaria de acontecimentos que vão bem além de fazer a história gravitar apenas ao redor de Hearst, preenchendo muito bem os espaços existentes e enriquecendo sobremaneira o mergulho do espectador nesse universo realista que consegue como quase nenhuma outra série, transportar-nos para o período em que se passa. Dentre as mais fascinantes subtramas, temos o retorno de Hostetler (Richard Gant) e de Samuel Fields ou “Nigger General” (Franklyn Ajaye), personagens indiretamente responsáveis pela morte do jovem William Bullock (Josh Eriksson) na temporada anterior. Seth Bullock sente-se na obrigação de trazer algum semblante de paz entre os dois negros e o racista bêbado Steve (Michael Harney em uma atuação espetacular), o que cria tensão, catarse e tragédia em uma episódio de se tirar o chapéu quase que totalmente dedicado ao assunto, mas que espertamente ganha consequências maiores e mais explosivas graças ao temperamento descontrolado de Bullock, sua marca registrada.

Da mesma maneira, situações com bem menos ação são abordadas com grande dramaticidade por Milch, valendo destaque para a inauguração e funcionamento do banco de Deadwood, controlado por Alma Garret, a presença cada vez mais relevante da ex-prostituta Trixie (Paula Malcomson) e sua relação com Sol e as dúvidas existenciais da ex-madame Joanie Stubbs (Kim Dickens), que se aproxima cada vez mais da também auto-destrutiva Calamity Jane (Robin Weigert), além do drama muito pessoal do dedicado médico “Doc” Cochran (Brad Dourif). A teia de relacionamentos e os efeitos que a trama macro tem sobre as subtramas e vice-versa deixam muito clara a qualidade da regência de Milch e seus planos detalhados para cada personagem minimamente relevante que coloca em cena, com o cuidado de dar a todos arcos narrativos mais do que satisfatórios.

Claro que o destaque mesmo fica com a rivalidade de Hearst e Swearengen, com Bullock ao lado do dono de saloon muito mais por razões práticas do que filosóficas e Tolliver do lado do milionário por razões de interesse próprio, claro. Mas é evidente que o jogo é desigual e mesmo a tentativa de reunir forças contra Hearst é fadada ao fracasso, com cada pequena vitória não sendo mais do que o tipo de vitória que Pirro conseguiu. Mesmo assim, é fascinante ver o jogo sendo jogado por cada um dos grandes manipuladores de Deadwood, cada um dentro de suas possibilidades e os enfrentamentos físicos que resultam daí – e que são surpreendentemente muitos, com especial destaque para a visceral e gráfica luta entre Dan Dority (W. Earl Brown, que escreve também um episódio) e o Capitão Joe Turner (Allan Graf) como avatares de seus chefes – fazem desta a mais movimentada das temporadas da série.

No final das contas, David Milch deixa uma coisa bem clara em sua perfeita trinca de temporadas: o avanço da civilização é inevitável, uma força imparável da natureza humana que toma a tudo e a todos de assalto, sem distinção. Tudo o que podemos fazer é lutar para adaptar-nos da melhor forma possível ao que não podemos evitar e entrar em um jogo que custa muito em todas as frentes e que talvez -e nesse olhar pessimista do showrunner é uma certeza – os ganhos não seja tão grandes assim, se é que eles sequer existem.

Deadwood – 3ª Temporada (EUA – 11 de junho a 27 de agosto de 2006)
Showrunner: David Milch
Direção: Mark Tinker, Dan Attias, Gregg Fienberg, Ed Bianchi, Dan Minahan, Tim Hunter, Adam Davidson
Roteiro: David Milch, Ted Mann, Regina Corrado, Alix Lambert, Kem Nunn, Nick Towne, Zack Whedon, W. Earl Brown, Bernadette McNamara
Elenco: Timothy Olyphant, Ian McShane, Molly Parker, Jim Beaver, W. Earl Brown, Dayton Callie, Kim Dickens, Brad Dourif, Anna Gunn, John Hawkes, Jeffrey Jones, Paula Malcomson, Leon Rippy, William Sanderson, Robin Weigert, Sean Bridgers, Titus Welliver, Brent Sexton, Powers Boothe, Bree Seanna Wall, Geri Jewell, Pasha Lychnikoff, Gerald McRaney, Gale Harold, Austin Nichols, Cleo King, Allan Graf, Brian Cox, Michael Harney, Keone Young, Richard Gant, Franklyn Ajaye, Michael Harney
Duração: 720 min. (12 episódios)

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