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Crítica | De Volta às Aulas (1996)

por Ritter Fan
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Em agosto de 1994, depois de filmar, mas antes de lançar Getting Any?, seu filme de retorno às suas raízes de comediante antes de embarcar na carreira de cineasta, Takeshi Kitano sofreu um grave acidente de motoneta que o deixou com paralisia parcial do lado direito de seu rosto, levando-o a um longo processo de recuperação que fez com que muita gente duvidasse que ele voltaria a dirigir. Mesmo, em retrospecto, tendo compreendido seu acidente como uma tentativa inconsciente de suicídio, Kitano, assim que recuperado, mostrou aos que temiam que ele não conseguiria recompor-se o suficiente para sentar de novo na cadeira de diretor que ele não estava pronto para desistir.

De Volta às Aulas, que acabou angariando enorme sucesso em seu país natal, foi o resultado dessa sua volta triunfal para atrás das câmeras e, desta vez, apenas lá mesmo, já que ele não atuou no longa, a primeira vez desde O Mar Mais Silencioso Daquele Verão, de cinco anos antes. Retornando ao tema de juventude perdida que ele abordou a partir de um olhar adulto em Boiling Point, Kitano talvez tenha escrito seu filme mais singelo até aquele ponto de sua carreira, lidando com a amizade entre dois jovens,  Masaru (Ken Kaneko) e Shinji (Masanobu Andō), dois delinquentes juvenis que basicamente vivem de fazer bullying com seus colegas de escola para roubar dinheiro deles e, depois, gastá-lo com comida e bebida.

Como em seus filmes mais contemplativos, Kitano investe tempo na construção dessa conexão entre os jovens, aos poucos inserindo elementos externos que viriam a afetar a vida deles e, então separá-los: a presença constante de um chefe da Yakuza e seus capangas e uma academia de boxe na região. Sem criar viradas radicais na narrativa, o cineasta leva o espectador a uma jornada realista sobre duas pessoas que não sabem o que querem fazer da vida e que são altamente influenciáveis pelo ambiente que os cerca (não somos, todos nós, assim em um grau maior ou menor?), com Masaru, que é o primeiro a levar Shinji para a academia para onde vai para treinar de forma que possa se vingar de outro valentão que o socara, logo desiste da vida regrada necessária para essa carreira e se deixa levar pelo caminho mais fácil e confortável do crime. Por seu turno, Shinji é logo revelado como um talento natural para o boxe e permanece treinando, o que, então, cria a bifurcação na vida dos dois.

O filme, portanto, tem como pano de fundo a boa e velha estrutura de autodescoberta, de jornada de amadurecimento, mas com o “tempero Kitano” de construir histórias que não entregam o que o espectador – especialmente o ocidental – normalmente espera. Aliás, a própria história em si – mais do que em seus filmes anteriores – é filmada sem câmera intrusiva, sem que haja aquela batida ritmada das páginas de roteiro levando os personagens do ponto A ao B e assim por diante. Não que o longa parece um documentário, pois não parece, mas sim que a pegada do diretor é de “um dia na vida…”, algo que, mesmo considerando que a dupla protagonista, pelo menos no início, é marginal e difícil de se conectar, acaba criando empatia, especialmente por Shinji.

Aliás, Shinji é o verdadeiro foco das lentes de Kitano. É quase que completamente por ele que a linha narrativa é guiada, com Masaru entrando e saindo da vida de seu amigo daquela maneira que esperamos de alguém envolvido em atividades realmente escusas, outro elemento que, muito diferente de criar um desequilíbrio na história, amplifica seu realismo contemplativo. E isso fica ainda mais evidente quando notamos que mesmo Shinji, quando começa a dedicar-se ao esporte, sofre as mais variadas tentações, não resistindo a elas e comprometendo sua carreira no processo. Ou não. Talvez Kitano tenha apenas querido contar a história de mais um jovem que tenta encontrar seu caminho e que esse caminho nem sempre é repleto de louros e vitórias, pois a vida não é assim mesmo que Hollywood insista em nos dizer o contrário.

A vida como ela é de De Volta às Aulas é uma terna ode à juventude – mas não à juventude idealizada – por um cineasta que na grande maioria de suas obras para o cinema olha para a vida sem filtro, sem embelezamentos. Não sei o quanto sua proximidade com a morte em razão de seu acidente apurou essa sua visão, mas o retorno dele às cadeiras de diretor e roteirista não poderia ter sido melhor.

De Volta às Aulas (キッズ・リターン/Kizzu Ritān – Japão, 1996)
Direção: Takeshi Kitano
Roteiro: Takeshi Kitatno
Elenco: Ken Kaneko, Masanobu Andō, Leo Morimoto, Hatsuo Yamatani, Michisuke Kashiwaya, Mitsuko Oka, Yūko Daike, Ryo Ishibashi, Susumu Terajima, Moro Morooka
Duração: 107 min.

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