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Crítica | De Volta à Alexandria

Redescobrindo-se no Egito.

por Ritter Fan
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De Volta à Alexandria é uma agradável e humorosa história de jornada de autoredescoberta de uma mulher madura ao retornar para o Egito, seu país natal, e à sua família aristocrata decadente depois de mais de 20 anos longe, construindo sua carreira de terapeuta na Suíça. Trata-se tanto de filme que coloca o espectador ocidental em meio à uma civilização pouco explorada cinematograficamente, como, também, de uma obra que lida com aspectos universais como o eterno conflito de gerações, as rusgas familiares que por vezes nem muito tempo resolve e a procura e o reencontro de raízes. Dirigido por Tamer Ruggili, o longa não é ambicioso, mas ele sem dúvida sabe navegar inteligentemente pelos obstáculos que a vida impõe e pela necessidade humana de conexão com o passado.

Nadine Labaki, que dirigiu o estupendo Cafarnaum, vive Sue, psiquiatra com prática bem sucedida na Suíça que recebe uma ligação de sua tia no Cairo que diz que sua mãe sofrera um derrame e está no leito de morte em sua casa em Alexandria. Ela pede que Sue, que saiu de casa há 20 anos brigada com a mãe, passe pelo Cairo para pegá-la, de forma que as duas possam fazer uma última visita à moribunda. No entanto, no final do dia em que Sue recebe essa ligação, ela se depara com um menino perdido no estacionamento de sua clínica e, quando ela vai ajudá-lo, ele desaparece. E esse é o primeiro sinal de que o que acompanharemos nos próximos 90 minutos é muito mais do que um passeio turístico pelo Egito, até porque Ruggli evita ao máximo usa os pontos turísticos clássicos, rendendo-se apenas a mostrar duas das três pirâmides do platô de Gizé de um ponto de vista peculiar, ou seja, da estrada que passa ao largo dos monumentos ancestrais.

No Cairo, entre viagens de táxi do aeroporto até a casa de sua tia que Sue não lembra mais direito onde é, uma parada em uma loja de roupa que sua mãe adorava e, claro, a permanência na casa da tia que se acha a descendente de Nefertiti pela forma como trata seu empregado/mordomo/motorista/faz-tudo, a protagonista depara-se novamente com o misterioso menino e, para sua surpresa, com sua própria mãe, com quem passa a discutir ferozmente a todo momento. São os três, apenas um real, evidentemente, que partem de carro conversível rosa para Alexandria e é nesse trajeto que Sue faz sua reflexão interna ao externalizar para nós – e para os espíritos/visões – suas mágoas, suas dores e tudo aquilo que a fez sair do Egito há décadas e nunca mais voltar. A veterana atriz francesa Fanny Ardant vive Fairouz, mãe de Sue, e é muito prazeroso, ainda que por vezes amargo ver as duas atrizes pondo a limpo os passados de suas personagens, com direito às revelações de praxe, mas, mais importante do que isso, a realização por Sue de quem foi sua mãe e, em última análise, quem ela própria é.

Com muita simplicidade, mas também muita elegância, o roteiro que Rugglie escreveu ao lado de Marianne Brun, com colaboração de Yousry Nasrallah, não reinventa a roda. Os únicos elementos “misteriosos” que são acrescentados à típica jornada de revelação são os dois espíritos ou visões que Sue vê e que em nenhum momento a direção esconde suas naturezas, ainda que a identidade do “menino” só seja efetivamente revelada ao final para os espectadores que não estiverem prestando atenção, quer dizer. Com direção de fotografia de Thomas Hardmeier, que utilizou uma câmera antiga para capturar as imagens com filme de celuloide com grãos salientes e razão de aspecto larga para passar a impressão de uma obra de época mesmo que a ação se passe hoje em dia, tem um apelo nostálgico muito interessante que se materializa pela antiguidade rococó das decorações dos interiores das casas que vemos, pelos figurinos sofisticados e pelo símbolo maior da jornada que é o enorme carro rosa de teto branco que Sue pega emprestado de sua tia.

De Volta à Alexandria é uma bem-humorada viagem no tempo sem sair dos dias de hoje que coloca em oposição duas gerações inconciliáveis externamente, mas que são iguais interiormente. Vemos uma família separada pela ação do tempo reunindo-se em outro plano, um plano onírico, por vezes até surrealista, mas que sacramenta valores e altera percepções. E, em meio a isso tudo, sim, somos levados aos recônditos pouco vistos de um país fascinante, de rica e fundamental história.

De Volta à Alexandria (Back to Alexandria – Suíça/Egito/Catar/França, 2023)
Direção: Tamer Ruggli
Roteiro: Tamer Ruggli, Marianne Brun, com colaboração de Yousry Nasrallah
Elenco: Nadine Labaki, Fanny Ardant, Hany Adel, Laila Ezz El Arab, Manuela Biedermann, Karima Mansour, Enaam Salousa, Menha Batraoui, Hazem Ehab, Salwa Othman, Eva Monti, Chady Abu-Nijmeh
Duração: 90 min.

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