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Crítica | De Salto Alto

Dor compartilhada.

por Luiz Santiago
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De Salto Alto faz parte da década de amadurecimento de Pedro Almodóvar (os anos 1990), onde ele explorou o lado misterioso e violento das narrativas (um aspecto que, na verdade, sempre lhe foi muito caro), somando-o aos melodramas, e às questões familiares e artísticas, criando uma obra que versa sobre a difícil relação entre mãe e filha e a tragédia de uma codependência daí oriunda. Neste filme, o diretor está muito preocupado em construir, dissecar e depois destruir as personagens de Marisa Paredes (Becky del Páramo, a mãe) e Victoria Abril (Rebeca Giner, a filha), que iniciam a obra mostrando-nos a faceta que evoluiria para um genitora preocupada apenas com o seu sucesso com a atriz, e uma filha que tentaria a todo custo imitar o sucesso materno, chamando-lhe a atenção de todas as formas, mas sem sucesso.

De maneira um tanto diferente, não temos aqui um leque muito grande de personagens e nem de histórias paralelas, como normalmente se encontra em filmes do diretor, e o mistério em cena é o mais simples possível, quase estéril, especialmente em sua não-conclusão. De Salto Alto está neuroticamente focado em mostrar como eventos aparentemente comuns na vida de duas mulheres (notem que não há nada que ambas não tenham vivido antes) terminam por levar-lhes para um patamar trágico. E como a alma do roteiro é melodramática, a tragédia se entrelaça com as personalidades, desejos e comportamentos diversos no desenvolvimento do filme, quase como se víssemos um teatro de fantoches marcado por ação-e-reação. Os personagens, aqui, por mais detalhes que tenhamos sobre suas vidas e essência, são facilmente levados pelo destino, como se não tivessem poder para mudar nada.

O vermelho, explorado na direção de arte e fotografia, e os números musicais complementares seguem como uma identificação da assinatura do cineasta e colocam diante de nós o ímpeto, os sentimento, as vontades das protagonistas e do único personagem masculino importante da película, muito bem interpretado pelo icônico Miguel Bosé. Ao lado das duas maravilhosas atrizes principais, Bosé constrói um personagem camaleônico, mais dinâmico que o de suas colegas, mas infelizmente com menos tempo de tela do que deveria. Embora eu goste muito de como o texto de Almodóvar apresenta as motivações da dor de Rebeca e explore de forma muito instigante a dualidade psicológica de Becky, vivendo entre o ego e a culpa de não ter sido uma boa mãe, sinto que falta um melhor direcionamento para este tema, principalmente após a ocorrência do crime.

Compensar erros do passado e lutar neuroticamente para preencher espaço no coração de alguém são atitudes que vemos na linha de frente deste enredo. O encaminhamento de reconciliação dado pelo diretor à história me pareceu carente de cenas que colocassem ao menos alguns poucos diálogos ou divagações das mulheres antes de entregarem-se aos seus pecados e seguirem o caminho do entendimento. A mendicância de afeto, todavia, não se resolve aqui, apenas ganha um tempero de tristeza e talvez a esperança de que, em algum momento futuro, as coisas encaminhem-se para a cura. Como o corte final vem numa reticência, não sabemos qual caminho os personagens seguiram, mas pelo tom da derradeira cena e considerando que é um filme de um eterno romântico, não seria exagerado pensar na bonança depois da tempestade, afinal, uma nova vida estava a caminho, e no cinema almodovariano, a estrela da gestação é um recorrente prenúncio de boas-novas.

De Salto Alto (Tacones lejanos) — Espanha, França, 1991
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Victoria Abril, Marisa Paredes, Miguel Bosé, Anna Lizaran, Mayrata O’Wisiedo, Cristina Marcos, Féodor Atkine, Pedro Díez del Corral, Bibiana Fernández, Nacho Martínez, Miriam Díaz-Aroca, Lupe Barrado, Juan José Otegui, Paula Soldevila, Javier Bardem, Angelina Llongueras, Rocío Muñoz-Cobo, Agustín Almodóvar, Francisco Peramos, Santiago Segura
Duração: 112 min.

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