A vontade de Sam Raimi de dirigir um filme baseado em super-heróis vem de muito antes de ele finalmente conseguir capitanear sua trilogia cinematográfica do Homem-Aranha a partir de 2002. Já no final dos anos 80, ele tentara obter os direitos tanto do Sombra, herói pulp dos anos 30, quanto o de Batman, falhando nas duas empreitadas. A saída foi criar seu próprio herói, projeto em que a Universal embarcou nesse comecinho ainda incipiente da era do revival dos filmes do gênero, com Batman, de Tim Burton.
Trabalhando com orçamento polpudo pela primeira vez em sua carreira, Raimi concebeu a história de seu Darkman em um conto que, depois, foi convertido em roteiro por ele, seu irmão Ivan e outros três roteiristas, dois então estreantes e outro com apenas um longa em seu currículo. O resultado, dada a quantidade de mentes envolvidas no desenvolvimento da história, poderia ter sido terrível, mas a grande verdade é que o filme consegue ser um legítimo representante do subgênero dos filmes de super-heróis e uma eficiente reunião do Sombra com Batman, Fantasma da Ópera e a Múmia, com pitadas de Soldado Desconhecido e uma ambientação e pano de fundo que lembra muito a história de RoboCop em que o vilão inadvertidamente cria o herói como parte de seu plano maquiavélico e corrupto para construir uma “nova cidade”.
Liam Neeson, em seu primeiro papel de herói de ação, vive Peyton Westlake um cientista que pesquisa pele artificial para ser usada em queimaduras, mas que só consegue obter resultados estáveis em ambiente escuros, convenientemente tem suas mãos e rosto destruídos por um violento atentado cometido por Robert G. Durant (Larry Drake), capanga do milionário Louis Strack, Jr. (Colin Friels), para obter documento comprometedor que Julie (Frances McDormand), namorada de Peyton, inadvertidamente esbarrara no dia anterior. Dado como morto, Peyton é levado como indigente a um hospital onde tem seu trato espinotalâmico cortado de forma que ele possa aguentar a dor por que passa, levando-o a ganhar “superpoderes” na forma de força descomunal quando suas emoções o tomam. Reunindo os cacos do que sobrou de seu experimento, Peyton, desfigurado e com o rosto e mão envoltos em gaze, começa a planejar sua vingança, o que envolve espionar os vilões e a assumir suas identidades pelo pouco tempo que sua pele artificial permanece estável à luz do sol.
O que segue daí é uma bem compassada aventura sombria que Raimi aborda com muita eficiência e organização, extraindo bons trabalhos dramáticos de Neeson e McDormand em papeis diferentes do que à época estavam acostumados. Além disso, o trabalho de maquiagem e prótese a que Neeson foi submetido para criar o visual aterrador de seu personagem é exemplar, resistindo muito bem ao teste o tempo. Mas o mesmo não pode ser dito dos efeitos visuais pré-CGI, já que são visíveis as costuras de sobreposição de imagens desde momentos simples como a vista do escritório de Strack até o exagerado – e até inadvertidamente cômico – clímax em um dos prédios em construção.
A fotografia de Bill Pope (que voltaria a trabalhar com Raimi em Uma Noite Alucinante 3 e Homem-Aranha 2 e 3), merece destaque por conseguir criar uma atmosfera sombria, mas sem deixar de capturar o estilo pulp que Raimi tenta imprimir à história, o que acaba resultando em uma das obras que mais corretamente coloca nas telas o espírito dos quadrinhos, se é que existe algo assim, algo que, claro, o próprio Raimi viria a repetir 12 anos depois, de maneira muito mais sofisticada, com o Aracnídeo. A direção de arte no armazém abandonado em que Peyton monta seu novo laboratório e o figurino de Darkman terminam de criar toda a ambientação necessária para que o personagem quase se torne mais uma adição aos Monstros da Universal. Só mesmo a trilha sonora de Danny Elfman, em seu primeiro auto-plágio (porque vamos combinar que quase tudo que ele compôs depois de Batman é variação do mesmo tema…), desaponta, como de costume, com notas repetitivas e cansativas que pouco acrescentam ao personagem e ao longa.
Angariando enorme sucesso e gerando duas continuações (com Arnold Vosloo no lugar Neeson) lançadas diretamente em vídeo, o piloto de uma série nunca produzida, quadrinhos e romances, Darkman marcou sua época e revelou Raimi para além do nicho cinematográfico em que havia se notabilizado. Sem dúvida alguma, um belo exemplar dos filmes de super-heróis não baseados em quadrinhos.
Darkman: Vingança sem Rosto (Darkman, EUA – 1990)
Direção: Sam Raimi
Roteiro: Chuck Pfarrer, Sam Raimi, Ivan Raimi, Daniel Goldin, Joshua Goldin (baseado em história de Sam Raimi)
Elenco: Liam Neeson, Frances McDormand, Colin Friels, Larry Drake, Nelson Mashita, Ted Raimi, Nicholas Worth, Dan Hicks, Jessie Lawrence Ferguson, Rafael H. Robledo, Bridget Hoffman, Bruce Campbell
Duração: 96 min.