Os Lobisomens é um título enganador. Com ele, Mauro Boselli leva o leitor a acreditar que haverá, nesta história, as famosas criaturas lupinas que se transformam em noites de Lua cheia, mas não é isso que acontece aqui. É uma brincadeira semântica. Baseando-se na diferença de grafia entre duas palavras em alemão, o autor coloca em cena um grupo de homens que passam de pacíficos camponeses a carniceiros soldados durante a Guerra dos Trinta Anos (1618 – 1648), um devastador conflito na Europa que, por causas sociais, políticas e religiosas, colocou praticamente metade do continente (entre beligerantes e aliados) em inimizade mortal. Nesse ambiente, acompanhamos a caminhada do Cavaleiro de Roccabruna que, na verdade, é um dos muitos nomes, faces e vidas do pai de Harlan, o temido vampiro Draka.
Esta edição de Dampyr é praticamente uma pausa na linha de pelejas do protagonista contra criaturas sombrias, especialmente vampiros. É uma edição de análise, busca e entendimento de um mistério. O roteiro de Mauro Boselli coloca Harlan na cidade de Praga, na biblioteca que pertence ao misterioso Caleb Lost, lendo livros que possam levá-lo ao seu pai. Sabemos que esta é uma busca que determina uma das linhas misteriosas da série, montando o quebra-cabeça colossal da vida de Draka e fazendo com que Harlan entenda-o sob as mais diversas nuances. Na verdade, desde A Estirpe da Noite, quando apareceu pela primeira vez, o personagem vem passando por revisões, acréscimos e contextos que dão a ele uma faceta cada vez mais diferente do que imaginávamos à primeira vista. Sua ligação com Harlan é interessante, mesmo em aventuras como esta, quando ambos estão em tempos e espaços diferentes.
Como a única criatura mítica que aparece aqui é o vampiro (Draka, mais alguns escravos que ele faz, em sua batalha contra os Lobos), não há muita surpresa no desenvolvimento da trama, uma vez que conhecemos relativamente bem o modus operandi e as habilidades desse Mestre da Noite. Ou seja, tendo uma boa noção de sua história e já tendo tido contato com muitos de seus poderes, as dúvidas e as novidades que poderíamos ter são transferidas para outra esfera, uma ainda mais difícil de acessar neste volume — porque não se trata de uma saga inteiramente mística, mas de vidas comuns em meio à guerra. O leitor anseia por saber mais sobre Draka, procura entender mais sobre a busca de Harlan e se ele terá coragem de ferir ou matar o pai, mas o roteiro vai nos negando essas informações (e não falo isso de forma negativa!), deixando-nos com um enredo muito bom, mas majoritariamente relacionado a questões humanas.
Numa guerra, o pior da nossa espécie vem à tona: isso nós já vimos milhares de vezes ao longo da História da humanidade. Na ficção, é ainda mais doloroso quando as histórias misturam as muitas camadas da miséria e da crueldade humanas, confrontando-as com a impiedade e a violência dos seres sobrenaturais. O debate sobre “quem é o monstro?“, nesse tipo de trama, não é novo. Em um contexto pesado como este, porém, tudo se potencializa. E o que poderia ser apenas uma muleta para a inserção da marca fantasiosa, termina trazendo uma grande reflexão sobre a linha que divide o amor do ódio. A arte de Majo atravessando o conflito com nuances estéticas bem diferentes deixa a história mais chamativa e delineia com força a contradição moral em questão junto aos sentimentos de vingança e a ativa busca de um filho matador de vampiros pelo seu pai, um dos maiores sugadores de sangue que já existiram.
Local de ação: Luneburgo, de Norte da Alemanha, 1628 / Praga, República Tcheca, 2002
Personagens principais: Harlan Draka, Caleb Lost, Draka, Fortunata
Dampyr – Vol. 27: Os Lobisomens (I Lupi Mannari) — Itália, junho de 2002
Roteiro: Mauro Boselli
Arte: Majo (Mario Rossi)
Capa: Majo (Mario Rossi)
Letras: Luca Corda
No Brasil: Editora 85 (outubro de 2021)
Tradução: Júlio Schneider
100 páginas
