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Crítica | Dampyr (2022)

Um novo caçador de vampiros.

por Luiz Santiago
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Adaptação de um personagem em quadrinhos da Sergio Bonelli Editore, Dampyr (2022), é um filme de introdução do personagem Harlan Draka para o grande público, basicamente trazendo para as grandes telas o excelente duo de estreia do caçador de seres das trevas, O Filho do Vampiro e a Estirpe da Noite, lançado no ano 2000 e criado por Mauro Boselli e Maurizio Colombo. A produção é uma parceria, com um resultado até que interessante, a cargo da estreante Bonelli Entertainment — que além deste filme, estreou, em 2022, uma animação de Dragonero, outro de seus personagens populares. Com distribuição internacional da Sony, Dampyr conseguiu chamar um pouco mais de atenção na Europa, e manteve o ímpeto da Bonelli para pensar futuras adaptações.

A história do longa é, de fato, um convite para o público encontrar-se com o personagem pela primeira vez. O cenário de ação é o leste europeu, no segundo ano da Guerra Civil Iugoslava (1991 – 2001) — nos quadrinhos, a ação se passa na Iugoslávia (cidades de Yorvolak e Sarajevo), atual Bósnia e Herzegovina — e começa com uma mistura de gêneros. De um lado, o horror e a fantasia, que desde a introdução nos mostra Draka e o nascimento de seu filho Harlan, protegido pelas Irmãs do Equilíbrio, ou Três Irmãs. É uma introdução parcialmente vitoriosa naquilo que se propõe, mas faltam informações importantes ali, tanto que o roteiro precisa retomar o tema, às pressas, lá para o final do filme, para dar conta de algo que poderia colocar o público a par de referências necessárias desde muito cedo. Do outro lado, vemos o Comandante Emil Kurjak (Stuart Martin, na melhor interpretação de todo o elenco) enfrentando uma infestação de vampiros numa cidade abandonada.

Muitas cenas dos quadrinhos são adaptadas com fidelidade aqui, o que pode gerar reconhecimento por parte de alguns espectadores; mas, infelizmente, a essência da obra não é de fato abraçada. Em parte, atribuo isso a algumas óbvias exigências dos estúdios parceiros (Eagle Pictures e Brandon Box) em criar um produto próximo dos clichês reconhecíveis, a fim de tornar a obra mais comercial. E de fato, Dampyr tem todos os tiques e cacoetes das produções “terror-de-segunda-classe”, com direito a uma direção de fotografia que caiu na armadilha de mergulhar o filme num filtro verde, dando a impressão de que a ação transcorre num mundo coberto de lodo. Não há justificativa metafórica que consiga explicar uma escolha estética dessas, até porque não existe um padrão específico de uso para esse monocromatismo horrendo, tanto que temos uma sequência de filtro vermelho (no covil de Gorka) e outras com filtro azul, nas tomadas noturnas. Os poucos momentos onde o trabalho fotográfico se mostra eficiente — as cenas nas vilas e o breve encontro de Harlan com o pai, já na reta final — dão ao espectador um gostinho do que o filme poderia ter sido visualmente, caso não quisessem tornar a imagem deprimente à força.

O drama apresentado não tem ganas de grandeza, mas para ser sincero, sustenta-se bem. O problema é como o texto se ergue, trazendo diálogos questionáveis e às vezes irritantemente incompletos, principalmente com Gorka, com os soldados de Kurjak e com Yuri (Sebastian Croft, ator da badalada Heartstopper que, aqui, faz um trabalho fraco). E é evidente que a outra metade da impressão pouco positiva da obra vem da presença de seu protagonista, interpretado por Wade Briggs. Penso que o ator foi uma escolha errada para o papel, e o tempo inteiro fiquei incomodado com a peruca que criaram para a composição do personagem. Eu peguei as minhas edições iniciais da série para ver os desenhos e entendi de onde vinha o incômodo. O volume e o caimento do cabelo do personagem original é bem diferente desses fios ralos e lambidos que vemos no filme. O resultado é o seguinte: um ator sem a imponente e cínica presença obrigatórias para compor o verdadeiro Dampyr, e uma caracterização visual que sequer tenta contornar isso através do figurino, da peruca e da maquiagem. E é melhor eu nem começar a falar do porte físico…

Existem adaptações que, por acertarem em cheio na essência do original, podem se dar ao luxo de trazer personagens ou modificações narrativas imensas de sua fonte, e isso não afetará a qualidade da obra porque o mais importante está garantido em cena. Aqui, os acertos da produção e da direção são apenas parciais, e o lado que disfarçaria, um pouco, os pecados de construção dramática, nem sempre estão presentes de forma aceitável. O desenlace é um filme que diverte até certo ponto, trazendo algumas reproduções admiráveis de sequências das HQs (especialmente de O Filho do Vampiro), mas errando na escalação da maior parte do elenco (exceto do excelente Kurjak de Stuart Martin, e da ótima Tesla de Frida Gustavsson) e patinando nos diálogos e encadeamento de cenas. Notem que nos momentos de quebra dramática, para as alucinações de Harlan, temos quase dez segundos de tela escura, sem som, vindas num corte seco em relação à cena anterior. Não dá para defender uma montagem dessas.

Dampyr tem a maior cara de ser o primeiro filme de uma produtora sem orçamento absurdo e sem ter muito direcionamento de produção. Não é um filme ruim, mas padece de erros que já vimos tantas outras vezes em produções de terror fora do mainstream, talvez porque o estúdio cedeu demais às pressões mercadológicas, talvez porque a equipe contratada não conseguiu entender direito a essência do original. E antes que defendam o indefensável, apontando a “dificuldade de adaptação”, lembremos que uma equipe com uma quantia bem menor de grana, e muito mais liberdade criativa, conseguiu fazer o média-metragem Vítima das Circunstâncias, trazendo de forma muito boa um personagem da Bonelli bem mais difícil que Dampyr para se adaptar: Dylan Dog. A questão não é a dificuldade ou a impossibilidade de transformar esses quadrinhos em filme. Nesse caso, como diz o ditado popular, o buraco está bem mais embaixo.

Dampyr (Itália, 2022)
Direção: Riccardo Chemello
Roteiro: Giovanni Masi, Alberto Ostini, Mauro Uzzeo (baseado em história e personagens de Mauro Boselli e Maurizio Colombo)
Elenco: Wade Briggs, Stuart Martin, Frida Gustavsson, Sebastian Croft, David Morrissey, Radu Andrei Micu, Ionut Grama, Luke Roberts, Florin Fratila, Madalina Bellariu Ion, Andreea Coff, Alice Cora Mihalache, Alexandra Poiana, George Burcea, Ioachim Ciobanu, Catalin Gheorghe, Dan Ursu
Duração: 109 min.

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