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Crítica | Da Página Para As Telas: O Silêncio dos Inocentes

Do romance de Thomas Harris ao filme de Jonathan Demme.

por Leonardo Campos
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Num cenário que reproduz elementos de uma sala de cinema modesta, moldada por uma atmosfera intimista, o ator Peter Gallagher entrava, sentava numa das poltronas e a câmera se voltava ao seu acento, dando-lhe a oportunidade de se expressar e informar ao público os detalhes sobre o que os espectadores contemplariam ao longo dos próximos 45 minutos. Esse era o mote de Page to Screen, conhecido por aqui como Da Página para as Telas, série documental em três temporadas que se dedicou, entre 2002 e 2005, a radiografar processos de tradução de romances modernos para o formato cinematográfico, tendo O Silêncio dos Inocentes como o primeiro de uma empreitada que envolveu Tubarão, Dança com Lobos, dentre outros clássicos recentes. Veiculada pela emissora Bravo, as produções da série tinham o potencial de se impor enquanto entretenimento, sem deixar o lado pedagógico próprio de uma crítica genética desse tipo. O episódio piloto é ótimo, se dissocia apenas das curiosidades e mergulha profundamente em pontos importantes dos bastidores que demonstram os processos que engendram a linguagem cinematográfica.

O preâmbulo é objetivo: resume em poucos minutos o impacto cultural do filme, a importância da produção na carreira dos envolvidos, a recepção polêmica, os prêmios recebidos e, o mais importante, demonstra a apurada pesquisa de Thomas Harris para a criação do romance e as etapas que se estabeleceram entre os primeiros esboços do roteiro de Ted Tally e a concepção cinematográfica da proposta. Logo na abertura, o excerto de uma entrevista da época traz Jodie Foster, intérprete de Clarice Sterling, a afirmar que queria parar de interpretar vítimas. Anthony Hopkins, pomposo em todos os seus depoimentos, reforça o quão os filmes de suspense e terror se alimentam dos nossos medos, delineando as motivações que em seu ponto de vista, tornaram O Silêncio dos Inocentes um sucesso, filme que ele acreditou ser uma história infantil ao receber enquanto trabalhava num espetáculo teatral britânico na ocasião.

Ainda nestes primeiros momentos, o tom da narrativa é exaltado, fala-se da forma fidedigna adotada pelos realizadores, sempre respeitosos com o material literário. É quando partimos para as análises dos envolvidos no filme, todos leitores do romance de Thomas Harris que é fincado como ponto de partida na empreitada. São observações bem relevantes, a destacar o potencial do escritor ao expor Hannibal como um homem canibal, ogro contemporâneo, além de sua postura psicologicamente sádica com Clarice Sterling, em especial no desfecho, quando a agente precisa implorar pela ajuda do prisioneiro que pode definir a sua trajetória investigativa. Ela precisa se desnudar diante desse monstro, no sentido alegórico, tendo em vista conseguir alcançar as suas metas. É um exercício sufocante que deixa os personagens e nós, espectadores, tensos, eletrizados com tanta emoção. O roteiro, concebido pelo já mencionado Ted Tally, tem no material literário de Thomas Harris um eficiente ponto para se guiar e seguir. Era só saber trazer o essencial, suprimir os possíveis excessos e compreender que cinema e literatura funcionam de maneira diferenciada, algo que ainda custa a muita gente que insiste no lance de fidelidade.

Sucesso de vendas e crítica, o romance de Harris trazia temáticas complexas para a sociedade que vivia uma época de fabricação de monstros. Assassinos em série surgiam constantemente e as pessoas andavam assustadas com o grau de violência nas ruas e demais circuitos por onde as pessoas transitavam em suas vidas incautas. Dentro desta rede de complexidades, Jonathan Demme e sua equipe trouxeram muitos diálogos do livro para o texto fílmico, numa jornada que o cineasta assegurou ter sido tão prazeroso que foi difícil entender como se é tão feliz e ainda por cima é pago por isso. Ademais, Hopkins comenta que os vilões se propõem a dizer tudo aquilo que nos abstemos, controlados por nossos códigos civilizatórios. Ele, interprete de um canibal que é um dos atores principais de um filme hollywoodiano com uma heroína mulher, algo fora dos padrões para a época, em especial, pela ausência das habituais cenas de sexo, lugar-comum do cinema na ocasião, espécie de atrativo para um determinado nicho do público.

Por fim, precisamos falar um pouco mais sobre Thomas Harris. Escritor recluso, tem como diferencial a pesquisa extensa e o apego aos detalhes em sua escrita. Como já dito noutra reflexão sobre este universo, o que o autor descreve parece o ideal para a equipe técnica responsável pelo apuro estético do filme tenha a sua inspiração para construir cenários, dirigir artisticamente e coordenador os processos do design de produção, da maquiagem, etc. Enquanto algumas imagens de bastidores passam, trechos do livro são narrados por David Hillbard, complementados pela voz feminina de Maggie Phillips, responsável por ler dramaticamente as passagens que ecoam as falas de Clarice Sterling no romance. Exímio em sua posição de ouvinte nas diversas palestras realizadas no FBI, Thomas Harris caprichou na pesquisa e na manipulação dos dados captados para a criação desta história moderna, constantemente lembrada como a base para um dos melhores filmes das últimas décadas. Ajudado pelo ritmo das imagens editadas por Ian Richardson, os realizadores deste documentário entregam uma aula de cinema digna, um mega featurette informativo.

Da Página Para as Telas: O Silêncio dos Inocentes (Page To Screen The Silence of the Lambs, EUA – 2002 )
Diretor: David Snyder
Roteiro: David Snyder
Elenco: Peter Gallagher, Jodie Foster, Kasi, Tak Fujimoto, Anthony Hopkins, Ted Levine, Scott Gleen, Anthony Heald, Kasi Lemmons, Frankie Faison, Lawrence A. Bonney, Ted Tally
Duração: 45 minutos

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