No seguinte compilado, você encontrará críticas de todos os indicados a categoria de Melhor Documentário em Curta-Metragem do Oscar 2024 na ordem da lista dos indicados.
A Última Loja de Consertos
Mais um curta documentário indicado pela direção de Kris Bowers indicado ao Oscar, agora explorando vidas pessoais para falar de Los Angeles e do ato social pela música. Numa intercalada musical bem ritmada da montagem, e ainda mais juntando com a composição da trilha do próprio Kris Bowers, A Última Loja de Consertos é lindo em sua narrativa, emocionante em suas conexões, mas implícito demais na sua importância.
Na mesma toada estética de A Concerto is a Conversation, com câmera frontal para entrevistas chorosas de jornadas de trabalhadores na luta empregatíça nos EUA, os dois diretores entendem bem como explicar dramaticamente a relevância do projeto do estúdio que conserta instrumentos para mais de 80.000 crianças. A alternância entre testemunho de crianças com seus instrumentos e trabalhadores do estúdio, que consertam os intrumentos, tonifica a magia dos instrumentos na vida das pessoas. A trilha sonora do curta acaba por se tornar tanto diegética quanto não diegética, de tanta harmonia no flow de entrevistas e música, como forma e conteúdo.
Além disso, envolta dessas histórias, o personagem que tem a planilha de instrumentos quebrados, que serve como repasse para as entrevistas na narrativa, esconde o clímax do curta. Ao longo da obra, a carga dramática se acentua ainda mais por como o trabalho com os intrumentos, seja de conserto, seja para concerto – eis a brincadeira de título que só se faz com a língua portuguesa – unifica estrangeiros nos EUA com a música. O sonho americano, a terra da liberdade e a indústria cinematográfica, tudo isso é presente nas entrevistas, achados na música, seja como emprego, seja como metáfora ou vocação. Mas o relato mais incisivo é quando um dos cargos “superiores” do estúdio é ocupado por um estrangeiro, que se encontra como afinador de pianos.
Esse é o clímax pois há um desenvolvimento dele como criança que perde o violão ao fugir da União Soviética, encontrando a felicidade nos EUA. Dentro do formato documental, há coerência com o que se conta na visão estudanidente abordada. E apesar do valor sensível, o ato social que tanto se fala, de manter as crianças com sonhos de crescer em carreiras musicais por causa do estúdio, é pouco ovacionado em seu aspecto citadino. Além do teores apelativos batidos de choros e câmeras frontais, a Los Angeles humilde que eleva a arte em sua função social são mais números e diálogos. Porque de resto, já vemos em filmes “La La Land”, só que no curta temos caras novas, humildes, que são humanizadas com a música.
Nisso Kris Bowers escolheu o melhor lado: a importância do estúdio pelas suas histórias. Mas ainda torna essas histórias com tons hollywoodianos, e não Losangenos.
A Última Loja de Consertos (The Last Repair Shop | EUA, 2023)
Direção: Kris Bowers, Ben Proudfoot
Roteiro: Kris Bowers
Elenco: Dana Atkinson, Duane Michaels, Paty Moreno, Steve Bagmanyan
Duração: 39 minutos
The Barber of Little Rock
Entre um esquema televisivo para programas sobre trabalho de barbeiro e um grande estudo econômico sobre giro de capital, The Barber of Little Rock consegue na sua edição avoroçada, como jornalismo produzido textualmente pelo The New Yorker, aterrorizar os expectadores sobre a realidade de Little Rock, Arkansas. Em meio a esperança e publicidade do projeto social People Trust Financial Center, o protagonista Arlo Washington é desbravador do insustentável sistema econômico americano para os negros.
A realidade de financiamento para criar renda é bem mais racial do que se imagina. O curta apresenta primeiro como o incentivo comunitário de guerrilha por micro empresas faz a diferença. Um barbeiro forma outros barbeiros, criando clientes, e todo um capital geracional – como Arlo explica. A barbearia que dá nome ao projeto documental surge como apoio mais basilar de negros criarem renda para si mesmos. O segundo passo é mais ousado, em que surge a necessidade de furar a bolha com um organismo sem fins lucrativos para emprestar dinheiro a outros negros que não conseguem relações amigáveis com os bancos.
Sem o intuito de criar um conflito frontal no quesito progressista, ou um protesto verbal, Arlo segue as linhas trotskistas, ao meu ver. Por buscar algo além da comunidade para a comunidade, e sim gerar resistência aos bancos pelo próprio meio capitalista de gerar novos negócios, e concorrência de dinâmica monetária dentro da cidade Little Rock, o terceiro passo é lutar contra a desistência emocional. Nesse quesito a obra segue pontos de auto ajuda, que é outro tema relacionado ao sistema prisional americano.
Assim, o bruto temático fica lá e cá com estética clássica de câmera na mão, mas estabelecendo bem os passos para um trabalho árduo pela propriedade livre e justiça. Essas duas palavras postas para os entrevistadores são os elos aterrorizantes que podemos fixar. A propriedade vai além de ter uma casa, mas também ser dono do próprio negócio. E a justiça é a motivação básica, mas também só um começo – como Arlo termina o curta dizendo.
The Barber of Little Rock (EUA, 2023)
Direção: John Hoffman, Christine Turner
Roteiro: John Hoffman, Christine Turner
Elenco: Cocoa Broadway, Arlo Washington
Duração: 35 minutos
O ABC da Proibição de Livros
Eu escrevo muito sobre como documentários, mesmo que contenham fatos narrados e interpretados, não é imune de desenvolver algo estético. O curta documentário não deixa de ser arte. Nesse sentido, esse Abcdário de livros proibidos modela sua reprodução como uma aula, ou umq sequência de slides em alguns momentos, suspirando com entrevistas que são muito cortadas para uma manutenção do discurso.
Nesse sentido, eis aí a estética. Manter o tema impactante com entrevistas de crianças e o uso de gancho narrativo de uma “jovem” de 100 anos protestando numa escola por um motivo ainda incompleto na introdução da obra, que descobrimos no encerramento. Apesar disso, é quase que apenas isso. Uma leitura da matéria da CBS News dignificaria o mesmo propósito principal do curta, mas sem o impacto audiovisual e publicitário.
Em 2022, a autora Jennifer Martin escreveu The 50 Most Banned Books in América na CBS News. Soa um trabalho melhor que esse projeto da MTV, embora, repito, menos impactante. Enquanto a matéria é uma lista que dá proporção aos livros mais banidos, além de indicar quais estados mais tem feito isso nos EUA nas escolas e bibliotecas, há a justificativa – sem plausibilidade, adiantando que concordo com o indicativo do curta. Já o curta, compreensivelmente, faz uma seletividade dentro de um escopo muito abrangente do contexto de livros banidos.
Essa seletividade, ou melhor chamado de recorte, é endossado por um discurso com uma conexão lógica, mas fina do protesto da idosa de 100 anos. A liberdade e a democracia que os EUA representou na guerra contra os nazistas queimadores de livros – citado pela mulher em seu protesto em memoria do seu esposo morto na 2ª guerra – está de acordo com a problemática temática de proibir livros. EUA é uma grande ironia, sem dúvida. Mas a abordagem coloca o foco nas crianças, um espécie de ABCdário como o título indica, que mais defende os livros e autores de livros proibidos do que abordam as proibições.
Há o impacto de nos colocar no absurdo com frases de livros que abordam temáticas sociais interessantes em contraste com o ato dos distritos escolares que banem, restringem e questionam livros. Identificar o significado desses termos e contrapor isso com a opinião das crianças é colocar mais lenha na fogueira, e não protestar contra termos políticos.
Entendo que nisso é a força da obra, se mostrando em seu conteúdo teores de guerrilha. Mas também é uma guerrilha com armas e poucos soldados que podem contribuir. Ou são as próprias crianças que vão determinar o que país deve ler?
Por fim, deixo a reflexão na linha do protesto gravado no curta da idosa no distrito: se o Main Kempf de Hitler fosse proibido, ou o Manifesto Comunista, isso também não seria um problema? É certo que crianças dificilmente vão ler esses livros, mas elas mesmo falam no curta que querem ler livros mais “adultos”. Talvez seja algo tão profundo esse problema democrático seletivo nos EUA, que o ponto mais alto seria uma criança ler sobre o que eles lutam contra, não só a favor.
O ABC da Proibição de Livros (The ABCs of Book Banning | EUA, 2023)
Direção: Sheila Nevins, Trish Adlesic, Nazenet Habtezghi
Roteiro: Sheila Nevins, Trish Adlesic, Nazenet Habtezghi
Elenco: Nikki Giovanni, Amanda Gorman, Jonathan Capehart
Duração: 27 minutos
Island in Between
De primeira parece uma sequência de paisagens de Kemne – a ilha entre a China e Taiwan -, juntando um testemunho pessoal de um narrador tripartido em nacionalidade. Mas é quase que literalmente uma obra sobre meio do caminho, uma incompletude política, pessoal e geográfica.
A política internacional hoje da China invadir Taiwan é emergente. No curta Leo Chiang, quem dirige e narra a obra, comenta sobre isso de maneira branda, porque é algo que parece muito presente na própria paisagem constante de ver os prédios chineses em Kemne. Não há um medo, é só uma espera para acontecer. Estão amortizados por isso, como um canhão na praia.
O lado pessoal, em que a pandemia surge como clímax de meio, faz um taiwanes voltar a sua terra e ter os mesmos conflitos de novo, intermediários, de meio, quanto a sua nacionalidade. Sua visão da China desmistificada, ao mesmo tempo da possibilidade de uma guerra em que seus pais não devem fugir de Taiwan, misturado com sua aproximação familiar resgatada após viver nos EUA – inimigo da China.
Tudo literalmente são pontes inacabadas, sem conclusões nenhumas. Parecem também paisagens a espera de algo acontecer depois de uma história de pontes quebradas. Pois de maneira geográfica é inevitável. Não existe urgência emocional, só um cenário em que o documentário quer alcançar a possibilidade como certeza.
Nesse propósito de registro e narrativa, Chiang em parte se acomoda. Parece também inevitável. Mas é um problema que surge quando qualquer dramatização pode ser americana ou chinesa. Um potencial perigo, e também uma certa corvadia que o diretor não perceba. Viver no meio é viver na incompletude, assim como um som gigante que vende música de Taiwan para China, mas que visualmente não se conhece o feedback; assim como o curta.
Island in Between (Taiwan, 2023)
Direção: S. Leo Chiang
Roteiro: S. Leo Chiang
Elenco: residentes da vila Gugang em Kimnen, S. Leo Chiang
Duração: 20 minutos
Nai Nai & Wài Pó
Uma conversa de gerações, uma “invasão domiciliar” e a velhice como vida. São vários temas perpassado pelo cotidiano. É uma crônica, uma carta e uma dádiva testemunhada. São os formatos humorados, que quebram a expectativa do tempo corrido.
O neto Sean Wang grava as avós como parte da história. Os pós créditos são acalentadores em saber como ele é tratado pelas avós entre as 4 paredes do audiovisual. Porque o curta todo é algo autoconsciente, em que Nai Nai e Wai Po gostam de quebra a quarta parede, perfuram a tentativa de controlar o que elas fazem em casa.
É todo um estudo “quase involuntario” do quanto se pode fazer em casa, do quanto se pode fazer em casa sendo idoso e o quanto se pode fazer em casa sendo idoso para se divertir. É como uma boneca russa que nem percebemos que desmontamos. E as avós são tão espertas que desmontam ao dizer ao neto que vão continuar fazer o mesmo que ele está gravando.
Claro que isso é incerto. Ninguém é exatamente igual diante de uma lente. A fotografia é uma arte, tem uma moral, tem um ângulo que cria outro universo. E por isso a última cena antes dos créditos é irônica em elas falando do neto. O esforço por captar a vida de pessoas próximas a morte, com otimismo do que vivem em decadência, transforma a nossa realidade como espectador.
O curta acaba sendo com pum. Silencioso ou barulhento, fazendo cheiros diferentes, e que só a intimidade identifica bem o de cada. Ao final, ao vermos idosos que parecem mais vivos que os jovens, entendemos como a vida é um grande absurdo diante do perigo, diante da realidade fora da casa – seja qual for o que você chama de lar.
Nai Nai & Wài Pó (EUA, 2023)
Direção: Sean Wang
Roteiro: Sean Wang
Elenco: Yi Yan Fuei, Zhang Li Hua
Duração: 17 minutos