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Crítica | Curtas do Oscar 2023: Documentário

Pessoas em transformação, animais familiares e um pai amado.

por Davi Lima
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Curtas Documentário Oscar 2023

No seguinte compilado, você encontrará críticas de todos os indicados a categoria de Melhor Documentário em Curta-Metragem do Oscar 2023 na ordem da lista dos indicados. Percebam a concorrência entre as produções do The New Yorker transmitidas no Youtube e as distribuições de curtas na Netflix.

Como Cuidar de um Bebê Elefante

Esse curta distribuído pela Netflix é muito certeiro em alcançar o público indiano, muito forte no streaming, e comover com o tratamento extremamente diferenciado que os indianos tem com os animais. E pensando em tema e forma de contar a história de uma família que adotou dois elefantes como filhos, tematicamente lembra Dumbo, formalmente há muita solenidade para a simplicidade que os protagonistas Bellie e Booman tratam a vivência com os elefantes.

O grande problema de Como Cuidar de Um Bebê Elefante é que em meio a boa edição de cenas, falta algumas dinâmicas narrativas de equilíbrio. Existe a apresentação do elefante Raghu, existe a cerimônia de casamento de Bellie e Booman, e existe a parte que Ammu, outro elefante, entra na história. Mas quando se fala de clímax, ou quando se percebe que o curta tenta padronizar um encaixe de roteiro – e não consegue – se torna uma metragem alongada, solene demais, com uma seriedade que nem a natureza carrega.

Já comparando com o curta da The New Yorker, Haulout, ambos são curtas preocupados com a natureza, com vertentes diferentes. A escolha da história inusitada e amável dos elefantes em Tamil Nadu – Índia, em 2019, é gratificante de conhecer, em que tudo é muito particularmente familiar, tanto na cultura indiana, religião e dimensão social do que é família. Porém, Haulout entende melhor sobre seu tema sem forçar formas narrativas de tornar a temática especial.

Como Cuidar de Um Bebê Elefante (The Elephant Whisperers | Índia, 2022)
Direção: Kartiki Gonsalves
Roteiro: Garima Pura Patiyaalvi, Priscilla Gonsalves, Kartiki Gonsalves
Elenco: Ammu, Raghu (elefantes), Sajane, Bellie, Booman
Duração: 40 minutos

Haulout

Halout é dos curtas que o chiado do som, da gravação difícil na praia de Chucki, é estilo. Faz parte de documentar algo tão difícil e doloroso que o cientista Maxim Chakilev vive com as morsas. A qualidade fotográfica da produção promove tanto o contexto isolado, como o desespero ambiental em larga escala que acontece com as morsas nessa praia gravada. O cotidiano do cientista não é da dimensão romântica e emocionante – como honestamente Como Cuidar de um Bebê Elefante é. Mas o que torna Haulout uma “vitória” no quesito tema dos animais em relação ao curta da Netflix é a forma.

A forma de contar a história, com seleção de planos que colocavam o peso da história apenas com o que é mostrado, não no que é relatado, ou sistematizado em mostrar. A apresentação do tema se mistura com a imensidão da praia e a ocupação das morsas. O drama surge naturalmente do desconhecido de Chucki para o espectador, mas mais ainda por não compreender porque as morsas tanto se agrupam ao redor da casa do cientista.

Nisso, o clímax é forjado, em que saímos da experiência do curta como um seguimento do cientista: procurar mais, com pesar e melancolia. Se a história dos elefantes é surreal, e nos faz pesquisar como o casal que adotou elefantes vive, Haulout direciona o nosso assistir para a mesma forma que a história foi apresentada: preocupação e investigação. Nisso, The New Yorker superou a Netflix pelas escolhas de formas de contar temáticas um pouco similares.

Haulout (Reino Unido, Rússia, 2022)
Direção: Evgenia Arbugaeva, Maxim Arbugaev
Roteiro: Evgenia Arbugaeva, Maxim Arbugaev
Elenco: –
Duração: 25 minutos

How Do You Measure a Year?

Jaz aqui um curta documentário azarado, fora de contexto, mais uma vez produzido por Jay Rosenblatt. Depois do seu curta ano passado ser indicado nessa mesma categoria no Oscar 2022When We Were Bullies, falando sobre bullying na escola, e uma memória de pedido de perdão para acalentar os que fizeram maltrato, não o maltratado; o pai da Ella, a protagonista desse documentário, se torna um experimento para Jay Rosenblatt sair bem de cena. Com uma junção bem básica de vídeos caseiros, o diretor “explora” sua filha para ele receber os louros.

Creio que o grande problema da abordagem de Jay é quebrar com a ética dos documentários. Soa como se ele estivesse no Oscar por alguma amizade. Seus curtas são inteligentes, mas o descuido de se fazer suas obras entra na discussão amador x acadêmico. Ele não pode quebrar regras, e gravar qualquer história interessante que mereça reconhecimento? Não se trata de prestígio, se trata de arte e seus limites, ou quais efeitos eles podem trazer. Jay parece fugir de qualquer moral, ainda mais se colocando como o fator que interfere, sem muito entender o peso de suas imagens e posições.

Mesmo que pareça exagero, em vista que ele traga simplicidade no fazer cinema, ele também permite que obrar não sejam refletidas pela sua ética de trabalho, promovendo narrativas que perdem consequências. O tema é trazido, Ella é exposta, os maltratantes se perdoam do que sofreu maltrato…ressurgindo histórias que por vezes, por serem íntimas, e sobre exposição, necessitam de um cuidado. O chamado politicamente correto, se quebrado, que se compreenda o que se está quebrando para produção de arte. O que Jay faz em juntar vídeos caseiros com sua filha é bonito, mas ainda mais bonito para ele…que é amado. Fica assim o questionamento: o curta é sobre a filha ou sobre o pai?

How Do You Measure a Year (EUA, 2023)
Direção: Jay Rosenblatt
Roteiro: Jay Rosenblatt
Elenco: Ella Rosenblatt
Duração: 29 minutos

O Efeito de Martha Mitchell

Sem dúvida um acerto da Netflix, distribuindo uma faceta do Watergate tão necessária para discussões transversais acerca da mulher na política e na mídia. Martha Mitchell é um fenômeno histórico, que junto com Jackie são obras que apresentam para o público internacional como há machismo na suposta liberdade democrática da política americana. Com dinamismo entre entrevistas de áudio e imagens de arquivo, a montagem compreende o espírito público de Mitchell, como um Efeito Mitchell de um delírio que se torna verdade.

Além da compreensão da política, existe um exemplo de Mitchell que as diretoras conseguem bastante direcionar, um pouco semelhante ao que Muyalaert fez em Alvorada: qual partido ela pertence, e sobre o que ela fala. Isso é essencial, especialmente com figuras públicas rechaçadas. Sem querer comparar Dilma com Martha, mas ambas, no longa documentário e no curta documentário, quebram a estrutura da mulher que não fala, apenas acena, apenas produz políticos e presidentes. Se Dilma parecia reflexo do Lula, e Martha reflexo do seu esposo e de Nixon, quando uma fala de literatura e outra fala sobre Vietnam…o mundo real parece revirar a mídia.

Martha Mitchell, obviamente, é também fruto do sensacionalismo americano que é diferente do brasileiro. O curta não foge do que ela se tornou, uma grande fofoqueira de palco, sem medo de falar o que pensa. Ela é parte do showbusiness, mesmo que seja uma pessoa fora da curva dos Republicanos. Numa visão democrata, Mitchell pode ser importante para o Watergate, mas há mais em Mitchell, em sua vida cotidiana, rica e luxuosa. Diferente de Stranger at The Gate, a Netflix abraçou a mídia, mesmo criticando-a.

O Efeito de Martha Mitchell (The Martha Mitchell Effect | EUA, 2022)
Direção: Anne Alvergue, Debra McClutchy
Roteiro: Anne Alvergue, Debra McClutchy
Elenco: Martha Mitchell, Dwight Chapin, Connie Chung, Piper Dankworth, John Dean, Sally Quinn, Bob Woodward
Duração: 40 minutos

Stranger at The Gate

Com uma seleção de planos muito específicos, frontais, laterais, com foco no recurso da entrevista, Stranger at The Gate é uma investigação, um processo narrativo muito bem feito de confluências para abordar uma temática realmente consoladora: a religião pode ser respeitada, e ela transforma. Nos EUA, a história de McKinney é uma raridade, do tipo que realmente se assemelha a uma conversão espiritual. Mesmo que McKinney realmente tenha, hoje, a prática islâmica, seu relato sobre a dificuldade de conviver com mulçumanos é arrasadora para um país famoso pelo desastre do 11 de Setembro.

As entrevistas, os paralelos do que McKinney é como pai dentro de casa, como esposo, tudo isso reflete perfeitamente os relatos dos mulçumanos que hoje convivem com o protagonista investigado do documentário. A solenidade que ocorre nesse curta já enfatiza a dimensão complexa, e quase inacreditável, de um odiador de mulçumanos se tornar islâmico, e uma referência para sua família. É um curta que sabe adentrar nos olhos dos personagens, além de seus discursos.

Por fim, é uma obra sobre liberdade, mas muito conhecedora do seu clímax, a omissão do que fato o protagonista se tornou, por trás da entrevista e das fotos mostradas. Ele é o estereótipo do americano mal, e se torna ainda mais interessante como a família danifica ainda mais sua imagem do passado, enquanto os Bahramis aliviam, dando vozes ao final do curta em relação ao islamismo. Sem dúvida a The New Yorker acerta em sua abordagem temática mais uma vez.

Stranger at The Gate (EUA, 2022)
Direção: Joshua Seftel
Roteiro: Joshua Seftel
Elenco: Bibi Bahrami, Saber Bahrami, Zaki Bahrami, Kent Kurtz, Dana McKinney, Emily McKinney, Richard McKinney, Jomo Williams
Duração: 29 minutos

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