Seguem as críticas dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Curta Metragem Live Action em 2015 (os títulos foram mantidos em inglês quando não havia versão oficial em português na época de redação das presentes críticas – os títulos, na língua original, seguem ao lado, quando há):
Aya (França/Israel – 2012)
No aeroporto de Israel, esperando seu marido chegar de Londres, Aya aceita segurar a placa com um nome escrito, daquelas que motoristas seguram para aguardar seus contratantes. Meio que agindo por impulso, ao chegar o “dono” do nome, o Sr. Overby, Aya o dirige ao seu destino.
O filme brinca com nossas expectativas. O que Aya pretende? Quem exatamente é o Sr. Overby? O que vai acontecer? Não existe suspense propriamente dito, mas sim uma bem construída narrativa que nos coloca como observadores de uma situação inusitada e dá ignição aos nosso pensamentos mais estranhos. Eles terão um acidente a caminho de Jerusalém? Um caso? Como ficou o marido de Aya?
As perguntas vão povoando nosso imaginário mesmo quando algumas delas passam a ser respondidas com o relutante diálogo entre os dois. Em um primeiro momento, o Sr. Overby, um dinamarquês vindo da Finlândia cumpre seu papel de contratante e se mantém distante. Aya quer algo, mas algo que provavelmente nem ela sabe o que é. E, com isso, os dois se aproximam, mas talvez não da maneira como o espectador espere.
Quase todo falado em inglês – língua universal, não é mesmo? – o curta merece aplausos pelas atuações tanto de Sarah Adler no papel título como de Ulrich Thomsen, como o Sr. Overby. A frieza inicial acaba sendo quebrada com uma excelente química entre os dois, sem que o roteiro precise descambar para o óbvio, para o caminho mais fácil. É um filme simples, mas gerará discussões e, por isso mesmo, cumpre sua função de desafiar com louvor.
Direção: Oded Binnun, Mihal Brezis
Roteiro: Tom Shoval, Oded Binnun, Mihal Brezis
Elenco: Sarah Adler, Ulrich Thomsen
Duração: 40 min.
Boogaloo and Graham (Reino Unido – 2014)
Passado em Belfast, em 1976, Boogaloo and Graham é um filme que tenta passar a perna no espectador algumas vezes. Deixando claro que situação entre o governo britânico e o IRA está tensa, vemos um homem com cabelo desgrenhado e barba mal aparada abrindo uma caixa de papelão de forma extremamente suspeita.
Mas eis que ele tira lá dois pintinhos amarelos para presenteá-los a seus filhos Malachy e Jamesy, sob o olhar reprovador da mãe. Logo os bichinhos, batizados de Boogaloo e Graham (claro) passam a fazer parte do dia-a-dia das crianças e vão crescendo. O show aqui é dos meninos – Aaron Lynch e Riley Hamilton – que divertem com os diálogos espertos escritos por Ronan Blaney e ditos com muita desenvoltura e doçura típicas da infância.
O filme não tenta ser um comentário pesado sobre a situação política da Irlanda do Norte àquela época. Apenas enquadra a ação dentro dessa atmosfera tensa para trazer algo inusitadamente leve e simpático, algo que não costuma combinar muito com filmes passados nesse local, nessa mesma época. E esse microcosmo iluminado e colorido – a fotografia contrasta muito bem as cores das roupas dos meninos com o ambiente acinzentado ao redor – é um refresco para o espectador que já espera o pior.
Mas Boogaloo and Graham carece de uma história redonda. Ele simplesmente acaba. Fica quase que como um fragmento de memória e agrada, mas acaba não sendo particularmente memorável (ok, a não ser talvez para mim, que ganhei, quando criança, junto com meu irmão, um pintinho desses que, em um apartamento, cresceu para se tornar um enorme galo suicida – mas essa história fica para outro dia…).
Direção: Michael Lennox
Roteiro: Ronan Blaney
Elenco: Aaron Lynch, Riley Hamilton, Martin McCann, Charlene McKenna, Jonathan Harden
Duração: 14 min.
Butter Lamp (La Lampe Au Beurre de Yak, França/China – 2013)
Quanto menos o espectador souber sobre Butter Lamp, mais apreciará o filme. Portanto, continue a leitura sob sua conta e risco, ainda que eu não vá estragar completamente a experiência.
Trata-se de um filme experimental franco-chinês que é uma surpresa estar concorrendo ao Oscar pelo inusitado que é. A grande jogada do pequeno filme de 15 minutos é perverter algo básico no cinema: a câmera fica parada o tempo todo e o que se move é o cenário. Como isso é feito? De uma maneira natural e muito bem inserida na fita que até empresta um tom de documentário a ela. Trata-se de um fotógrafo itinerante que tira fotos de nômades tibetanos valendo-se de enormes fotografias que ele usa como fundo. Vemos a Muralha da China em um momento, uma ilha tropical em outro, o estádio olímpico de Pequim em outro ainda e até mesmo a Disneyland.
A história é simplesmente essa, se é que se pode chamar de história. Mas o filme deixa sua marca. Primeiro pelo seu diferencial, que descrevi acima, mas também pelos curiosos personagens (os fotografados) que passam na frente da câmera e suas diferentes reações às trocas de roupas sugeridas pelo fotógrafo e uma delas com a fotografia em si de fundo. A confusão que o espectador fatalmente sentirá no começo vai se dissipando e dando lugar a uma espécie de transe movido pela curiosidade, transe esse do qual despertamos quando descobrimos onde estamos e capturamos a moral da história.
Qual é a moral da história? Bem, como eu disse, não vou estragar a surpresa completamente. Vejam e prestigiem esse pequeno e diferente filme, pois vale muito à pena.
Direção: Wei Hu
Roteiro: Wei Hu
Elenco: Genden Punstock
Duração: 15 min.
Parvaneh (Suíça – 2012)
A adolescência vista com um enfoque multi-cultural e quebrando barreiras sócio-econômicas. Esse talvez seja um resumo justo do que é Parvaneh.
A personagem título é uma adolescente afegã que trabalha ilegalmente na Suíça para mandar dinheiro para seu pai doente em seu país natal. Descobrindo que para mandar dinheiro precisa ir para a Zurique, a calada menina parte para a cidade grande somente para encontrar problemas com a remessa: ela é menor de idade e, além disso, tem uma identidade que não é válida. Sem saída, ela acaba se juntando a uma adolescente local que aceita ajudá-la mediante pagamento.
O que começa como um potencial filme sobre imigração ilegal, logo toma outros contornos, com Parvaneh se abrindo cada vez mais e, mesmo que de maneira efêmera, entrando no mundo ocidental, com tudo de bom e ruim que essa expressão carrega. A jovem suíça mora em uma boa casa, com uma mãe que não liga muito para ela e Parvaneh acaba experimentando e estranhando esses laços familiares. Alguns com muitos, outros com poucos? Não, o filme não chega verdadeiramente a se debruçar sobre esse ponto, ainda que esse seja um comentário subjacente constante.
O interesse do diretor é mesmo abordar a adolescência como um todo, deixando que os aspectos sócio-econômicos apareçam organicamente, sem forçar muito a barra. Entendemos as agruras e dúvidas de Parvaneh, assim como entendemos também os problemas de sua nova amiga. E as atuações de Nissa Kashani e Cheryl Graf combinam muito bem, trazendo naturalidade às conversas e aos momentos mais difíceis.
O problema da fita – e talvez não seja problema para muitos – é o quanto ela justamente torna superficial os problemas maiores de Parvaneh. Eles são estabelecidos nos primeiros cinco ou sete minutos, apenas para serem colocados um pouco de lado nos minutos seguintes, sem uma resolução completamente satisfatória (ainda que, talvez, resolução seja uma exigência injusta).
Direção: Talkhon Hamzavi
Roteiro: Talkhon Hamzavi
Elenco: Nissa Kashani, Brigitte Beyeler, Alireza Bayram, Cheryl Graf
Duração: 25 min.
The Phone Call (Reino Unido – 2013)
Heather (Sally Hawkins) é uma mulher solitária que trabalha em um centro de atendimento telefônico para pessoas em situações de emergência. Nada relacionado com polícia, mas sim mais uma espécie de ajuda telefônica psiquiátrica para quem precisa.
Ao chegar em sua mesa para começar o dia de trabalho, o telefone toca e uma voz (Jim Broadbent, que não aparece fisicamente no curta) amedrontada e que se apresenta como Stanley começa a conversar com Heather. Não demora e aprendemos que estamos diante de um suicida que já engoliu um número considerável de pílulas, para o desespero de Heather que, impotente, só pode mesmo conversar com o senhor. E é isso que ele quer mesmo, uma mão para segurá-lo nesses momentos finais, de maneira que ele não os passe só.
O curta é absolutamente torturante, mas no bom sentido. Usando planos médios e close-ups, o diretor Mat Kirby foca em Heather e seu crescente desespero. E nós vamos juntos com ela para o mesmo lugar lá dentro de nosso cérebro que acende uma luzinha de emergência em situações impensáveis como essa. O que fazer? Como fazer? Ou talvez uma pergunta preliminar e angustiante: algo deve mesmo ser feito?
Ficamos em um beco sem saída assim como Heather. A vida e a morte desfilam à nossa frente e nossa imaginação vai à mil graças à um cenário minimalista que nos faz mergulhar na fatídica conversa. Os trabalhos de atuação de Sally Hawkins em uma ponta e do fantástico Jim Broadbent na outra, só com sua característica voz, merecem comendas. A conexão estabelecida entre os dois e entre eles e nós é quase instantânea e perfeita, com o roteiro trabalhando bem o tom de suspense e de tensão crescente.
O tropeço fica por conta do final (antes do epílogo), quando vemos, em outro ambiente, o desfecho do suicídio de Stanley. É um momento que quebra a mágica estabelecida e retira o ritmo da fita. Pode ser um detalhe, mas, para mim, não funcionou dramaticamente.
Direção: Mat Kirkby
Roteiro: Mat Kirkby, James Lucas
Elenco: Sally Hawkins, Jim Broadbent, Edward Hogg
Duração: 20 min.