Entre 1955 e 1963, François Truffaut dirigiu 4 curtas e um média-metragem, além de 3 longas. Esse início de sua carreira é marcado pela configuração estética, narrativa e dramática da Nouvelle Vague Francesa, da qual foi um dos representantes. O presente post reúne as críticas para 3 dos 4 curtas do diretor durante esse período (a estreia dele em Une Visite, de 1955, não foi localizada).
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Os Pivetes
Dois anos antes de Os Incompreendidos, Truffaut realizou Os Pivetes (1957), seu segundo curta-metragem e um filme sobre a infância, a inocência e o amadurecimento, temas recorrentes em parte de sua filmografia.
A história carrega a simplicidade temática dos filmes do diretor e, ao mesmo tempo, explora de maneira notável e densa temas como paixão, libido, relacionamento e morte. O roteiro acompanha um grupo de meninos que se apaixonam platonicamente pela bela Bernadette (Bernadette Lafont, uma das primeiras musas de Claude Chabrol), que abre o filme em um passeio de bicicleta pela cidade, com sua saia ao vento.
As filmagens em externas e a liberdade da câmera são elementos importantes para a formulação de uma mensagem nas entrelinhas do filme. À medida que o tempo passa e quando uma tragédia acontece, os planos tendem a se tornar menos ágeis, a câmera mais parada e a montagem mais lânguida. Truffaut dialoga com o espectador e cria nele um sentimento extra ao texto, através das imagens, um elemento que ganha um triste contorno na cena final.
Os Pivetes é uma memória de infância, um filme em flashback realizado com muita competência por um Truffaut então com 25 anos, ainda exercendo sua profissão de crítico de cinema, mas já aplicando em seus primeiros filmes as lições que aprendera nas salas e sessões da Cinemateca Francesa. Há, inclusive, uma bela referência a O Regador Regado (1896), de Louis Lumière, e um caminho poético e de tendência metalinguística que se apresenta no final do curta, provas marcantes do amor do diretor à Sétima Arte, a quem tanta coisa legaria e a quem já marcava dese o princípio da carreira.
Os Pivetes (Les mistons) – França, 1957
Direção: François Truffaut
Roteiro: Maurice Pons
Elenco: Gérard Blain, Bernadette Lafont, Michel François
Duração: 18 min.
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Uma História da Água
Em 1961, algumas regiões da França foram largamente inundadas pelo transborde de rios devido a constantes tempestades. Um grande número de documentários televisivos e cinematográficos foram feitos a respeito, mas nenhum cineasta teve disposição ou coragem de enfrentar as difíceis condições e filmar algo fictício naquele cenário inundado. Truffaut reclamava que era uma vergonha que aquilo só sobreviveria em documentários, então escreveu o roteiro de Uma História da Água e o presentou a Godard e a Chabrol para ver o que achavam a respeito.
De Chabrol, Truffaut conseguiu um carro emprestado, aquele mesmo que vemos a partir de determinado ponto do filme, quando a garota que quer chegar a Paris recebe carona. De Godard, ele recebeu a proposta para a realização do filme juntos, proposta que aceitou prontamente. Pela primeira e única vez na História, os mais jovens e vivazes diretores da Nouvelle Vague dividiam os créditos na realização de um filme.
A história é um docu-drama romanceado e, como já foi dito, acompanha uma jovem em sua tentativa de chegar a Paris, enfrentando todas as dificuldades causadas pela inundação. Vemos, por tomadas feitas através de um helicóptero, áreas inteiras cobertas pela água enquanto o narrador e a narradora nos apresentam, com rapidez sufocante, coisas pertinentes e aleatórias à situação.
Como a montagem do curta foi feita por Godard, vemos uso de som metafórico e uma série de mudanças empregadas no roteiro de Truffaut. O resultado final é interessante, mas funciona mais como exercício de curiosidade do que como obra notável realizada por dois notáveis diretores ainda no início da carreira.
Une histoire d’eau (Une histoire d’eau) – França, 1961
Direção: Jean-Luc Godard, François Truffaut
Roteiro: Jean-Luc Godard, François Truffaut
Elenco: Jean-Claude Brialy, Caroline Dim, Jean-Luc Godard
Duração: 12 min.
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Antoine e Colette (Amor aos 20 Anos)
Antoine e Colette (1962) é um segmento “Paris” do longa Amor aos 20 Anos, cuja proposta era mostrar o primeiro amor e todos os seus impasses, prazeres, conquistas e decepções entre jovens em diferentes cidades do mundo. Quando dirigiu o curta, Truffaut já tinha no currículo filmes como Os Incompreendidos, Atirem no Pianista e Jules e Jim – Uma Mulher para Dois, portanto, Antoine e Colette não é exatamente um curta-metragem de iniciante, ao menos no sentido mais cru da palavra.
A história é a sequência de Os Incompreendidos e nela vemos Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud, com 17 anos de idade e em inocente e ótima interpretação) seguindo com sua vida após a saída do reformatório. O curta trabalha um estilo próximo ao do drama expositivo, com a presença do narrador e dinâmico olhar para o cotidiano dos personagens, como era bastante comum nas obras da Nouvelle Vague.
O filme tem cortes secos e brincadeiras estéticas que nos lembram um pouco Atirem no Pianista, mas sua estrutura tem um caráter próprio, intimista e sentimental – Truffaut sempre foi ótimo em criar atmosfera dramática, seja através do roteiro, seja através da direção – um modelo que podemos observar em todos os filmes seguintes das Aventuras de Antoine Doinel (Beijos Proibidos, Domicílio Conjugal e O Amor em Fuga).
A história de Antoine e Colette é simples e despretensiosa, talvez despretensiosa demais, especialmente na caracterização dos personagens secundários, mas o filme prende o espectador e traz um fator emocional que nos toca e nos faz lembrar de nossas próprias corridas, telefonemas, perseguições e lágrimas dos nossos amores aos vinte anos.
Antoine e Colette (Antoine et Colette – L’amour à vingt ans) – França, 1962
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Marie-France Pisier, Patrick Auffay, Rosy Varte, François Darbon, Jean-François Adam,Pierre Schaeffer
Duração: 24 min.