Entre partes das décadas de 1940 e 1950, dramaturgos, roteiristas, atores, cineastas e outros cidadãos estadunidenses envolvidos no campo da arte e da intelectualidade sofreram severas perseguições por parte do Comitê de Atividades Não Americanas, desforra com traços fascistas comandadas por entidades persecutórias que tinham em suas listas, nomes como Arthur Miller, Dalton Trumbo, John Garfield, etc. Acusados de disseminar ideias comunistas e contaminar a “pureza dos americanos”, tais artistas, ao adentrarem tais documentos, precisavam colaborar e entregar outros colegas de profissão. A negação disso vinha no formato de represália. Boicote seguido de linchamento social. A pessoa não conseguia ir numa padaria sem alguém para vigiar os seus passos. Era uma época de ameaça a criatividade e indivíduos que deduravam uns aos outros com algo parecido ao que chamamos de delação premiada na atualidade. Diante da situação, o que fazer: manter a consciência limpa, mas prejudicar toda a sua carreira ou deixar de lado os traços de integridade e se entregar aos membros inquisidores, numa garantia do pão de cada dia para si, mas na destruição da reputação de outros?
Esse é o questionamento externo de David Merril (Robert De Niro), um personagem que internamente, mesmo nos momentos de desequilíbrio, jamais pensou em delatar ou prejudicar a vida das pessoas de seu convívio social. Ele é incluso depois que um de seus amigos o entrega. Assim, logo após chegar de uma viagem profissional, numa reunião com o produtor David F. Zanuck (Ben Piazza), chefe dos estúdios da Fox, ele é indicado a seguir os conselhos do advogado. O homem que conhece os mecanismos legais deste processo pretende guia-lo quando for ocasião para depor. Se ele aceitar as sugestões e cumprir o esperado, continua no mapa de produção. Caso faça o jogo ético, arcará pelas consequências. Ao escolher a segunda opção, o diretor fictício interpretado por De Niro vai de um ponto a outro do país e só encontra portas severamente cerradas. Alguém que antes era endeusado por atores do calibre de Humphrey Bogart agora é considerado uma ameaça ao país. Bunny (George Wendt), seu parceiro constante nos roteiros, também está prestes a ser mais um dos perseguidos. Uma atriz, interpretada por Patricia Wettiz, não aguenta a pressão e comete suicídio. Outro amigo, diretor de cinema, personagem de Scorsese numa participação breve, cede um filme não finalizado para David arrematar e entregar, mas até para isso o suspeito de comunismo é vetado. Tudo muito arbitrário e asfixiante. São perseguições aleatórias e abraçadas por uma parcela da população.
Construído em torno de emoções frenéticas em seus minutos finais, Culpado por Suspeita é um filme de posturas pulsantes, mas contidas. Os personagens são mergulhados em situações atordoantes, mas mantém a firmeza até o final. É nessa sutileza que o filme evolui dramaticamente. Dirigido e escrito por Irwin Winkler, a sua trama se desenvolve durante o período conhecido pela caça às bruxas, motivada pela doutrina macarthista. Era uma época de intenso patrulhamento das produções artísticas no bojo da indústria hollywoodiana, reduto que os fanáticos políticos acreditavam ser o esconderijo de doutrinas comunistas, focadas em transformar os cidadãos em pessoas interessadas am ações antiamericanas. É dessa época a Lista Negra de Hollywood, documento simbólico com nomes suspeitos de relações com o comunismo, integrada por diretores, roteiristas, atrizes e outras pessoas que pensavam a cultura e a sociedade sem os limites demarcados pelo exacerbado e inseguro nacionalismo estadunidense. Os julgamentos eram sempre muito opressivos, situação para pessoas de forte condução psicológica da vida. As perguntas massacravam os entrevistados e nem sempre o mais seguro de si conseguia conter as emoções e não suar frio diante de tanta pressão. Não era apenas a arte que estava em jogo, mas a segurança de todos que gravitavam em torno de qualquer acusado.
Em seus requisitos estéticos, Culpado por Suspeita é um filme sem momentos visuais incomuns. Isso não depõe contra a direção de fotografia de Michael Ballhaus, tampouco desmerece a cuidadosa textura musical de James Newton Howard, setores tão eficientes quanto o design de produção de Leslie Dixon e a edição de Priscilla Nedd. Os personagens estão bem enquadrados, os elementos visuais dispostos conforme os perfis das figuras que circulam pela narrativa, acompanhadas pela música que nunca é intrusiva e inadequada. Os elementos estéticos erguidos pela equipe de Irwin Winkler cumprem a função de transformar em filme o seu roteiro, maior potencial da produção. Os diálogos são fortes, a sequência dos acontecimentos funciona bem e o elenco dá mais força ao material que só em sua leitura, já deveria ser qualificado o bastante. Robert De Niro, um dos melhores atores de sua geração, dá firmeza ao personagem esférico, carismático e convincente, da mesma maneira que Annete Bening faz como Ruth, a sua esposa que mesmo influenciada pelos códigos sociais da época, demonstra postura decisiva na história da família Merril, mulher que fica bem longe do arquetípico lugar da histérica diante das pressões exercidas pelo contexto político em torno não apenas de seu marido, mas de seu filho.
Lançado em 1991, Culpado por Suspeita antecipou o contato de Robert De Niro e Martin Scorsese com uma situação no mínimo curiosa: a entrega do Oscar Honorário para Elia Kazan, cineasta que na época, garantiu a sua permanência, mas destruiu a carreira de muita gente do meio artístico, perseguida pelos macarthistas. Alguns cometeram suicídio, outros passaram vinte anos como nômades das artes cinematográfica, até adentrarem pela desistência, não por opção, mas por falta de oportunidades. Na tal cerimônia do Oscar, realizada em 1999, uma boa parte da plateia, preenchida por atores, atrizes e profissionais renomados do ramo se recusaram a levantar para aplaudir. Foi um daqueles momentos de choque midiático, com bastante repercussão. É a velha história do gênio e do cidadão. Até que ponto esquecemos a pessoa e mantemos apenas o olhar para as suas facetas artísticas. Nesta época muito anterior ao advento da cultura do cancelamento, os envolvidos no poder queimaram as trajetórias de diversos artistas e intelectuais. Ou você traia os seus ideais ou perdia o emprego. Vale lembrar que não era apenas o trabalho em andamento, mas qualquer oportunidade futura, em qualquer local do país. Era um inferno psicossocial que ainda nos dias atuais, vez e outra, tem uma penumbra em movimento, ameaçadora, retomada desses valores bizarros de um era antidemocrática.
Culpado Por Suspeita (Guilty By Suspicion) – Estados Unidos, 1991
Direção: Irwin Winkler
Roteiro: Irwin Winkler
Elenco: Annette Bening, Chris Cooper, George Wendt, Luke Edwards, Martin Scorsese, Patricia Wettig, Robert De Niro, Sam Wanamaker
Duração: 102 min.