Com a aquisição da Fox pela Disney, todas as grandes franquias que haviam ganhado universos expandidos nos quadrinhos – Alien, Predador e Planeta dos Macacos – naturalmente migraram para a Marvel Comics. Mas, assim como aconteceu com Star Wars anteriormente, Planeta dos Macacos é um caso de retorno à antiga casa, já que a editora americana foi a primeira a consistentemente publicar material original e adaptado baseado nessa propriedade entre os anos de 1974 e 1977, primeiro em um formato de revista grande em preto em branco como A Espada Selvagem de Conan, para fugir do Comics Code, e, depois, no formato tradicional e colorido em Adventures on the Planet of the Apes.
Em 2023, a Marvel publicou sua primeira HQ da franquia desde a década de 70 – Queda do Homem – que se passa entre os eventos de Planeta dos Macacos: A Origem e Planeta dos Macacos: O Confronto, os dois primeiros filmes do segundo reboot cinematográfico. No começo de 2024, a editora mostrou que estava disposta a também investir nos cinco filmes clássicos da série com Cuidado com o Planeta dos Macacos (admito que minha tradução literal ficou ruim, mas é que o título em inglês também não é flor que se cheire), minissérie em quatro edições que é um prelúdio do longa de 1968. Nada contra o conceito de prelúdio para o clássico dos clássicos da ficção científica pop, mas o roteiro de Marc Guggenheim, provavelmente por exigência da editoria, precisou usar personagens já estabelecidos, notadamente Nova, Lucius, Zira e Cornelius, em uma aventura que é cheia de revelações e até mudanças de status quo que ela só poderia acabar de um jeito muito safado e frustrante – ainda que telegrafado – para que nada realmente fosse mudado na história macro.
Não revelarei o final, mas o leitor poderá deduzir qual é pelo simples fato de a premissa da série ser Zira e Cornelius, ajudados por Nova, procurando por Lucius na Zona Proibida e encontrando não só mutantes (menos feios do que os de De Volta ao Planeta dos Macacos e nem de longe relacionados com a bomba do juízo final) que vivem no que restou do Estádio dos Yankees, em Nova York, como também o chamado Império dos Hominídeos, uma enorme cidade povoada quase que completamente por gorilas, em uma estrutura militar, que usa o trabalho escravizado de pobres gibões. Lucius, claro, é capturado pelos gorilas, com Zira, Cornelius e Nova arregimentando a ajuda dos mutantes que vivem em uma frágil paz negociada com os hominídeos. Como se todas essas novidades não bastassem, a líder dos mutantes – que sim, têm poderes mentais – é capaz de ver o futuro e ela prevê a chegada de Taylor, de Brent e até a destruição do planeta, algo que ela tenta evitar conversando mentalmente com Nova e explicando tudo, o que imediatamente causa aquela vontade de coçar a cabeça para tentar aceitar que a humana é extremamente inteligente e que sua única limitação é não conseguir falar, já que ela entende facilmente os conceitos de bombas nucleares, mutantes, destruição total, viagem no tempo e tudo mais.
Seja como for, essa salada criativa de Guggenheim tem uma grande vantagem: ela expande esse universo razoavelmente limitado, fazendo jus ao uso de “Planeta” no título da franquia. Afinal, tudo o que vemos nos dois primeiros filmes é a Cidade Símia e a Zona Proibida, mais nada, e, aqui, o roteirista oferece um mapa que estabelece a localização de todos os lugares citados, alargando a noção de espaço que tínhamos, com a Cidade Símia, ao que tudo indica, localizando-se mais ou menos em New Jersey. A arte de Álvaro Lopez, apesar de ser acanhada especialmente na recriação dos personagens clássicos e na criação dos novos mutantes e do exército gorila, transpõe eficientemente a grandiosidade desse “planeta dos macacos” quando lida com as estruturas do estádio e do Império dos Hominídeos. De maneira semelhante, ele consegue levar para as páginas algumas boas sequências de ação, notadamente a invasão da cidade dos gorilas pelos mutantes, mas não muito mais do que isso. Mas, na seara artística, talvez o mais interessante aspecto seja a utilização de algumas páginas das adaptações do primeiro e segundo filmes clássicos pela própria Marvel Comics (as críticas dessas HQs podem ser lidas aqui e aqui), funcionando bem como flash forwards, quase como se a editora estivesse querendo marcar seu território para mostrar a seus leitores que ela já publicara Planeta dos Macacos há décadas.
Fazer um prelúdio usando personagens dos filmes que exige um final que zere o jogo não é, para mim, a melhor escolha criativa, mas, se passarmos por cima desse “detalhe”, até que Cuidado com o Planeta dos Macacos é uma leitura descompromissada e divertida, que não exige nem muito investimento de tempo, nem de neurônios. No entanto, espero fortemente que próximas incursões nesse universo enveredem por caminhos mais interessantes, talvez até mesmo expandindo não os filmes, mas sim a ótima série live-action e também a não tão boa série animada que muita gente sequer se lembra que existiram.
Cuidado com o Planeta dos Macacos (Beware the Planet of the Apes – EUA, 2024)
Contendo: Beware the Planet of the Apes #1 a 4
Roteiro: Marc Guggenheim
Arte: Álvaro López
Cores: Alex Guimarães
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Lindsey Cohick, Sarah Brunstad, C.B. Cebulski
Editora: Marvel Comics
Data originais de publicação: 03 de janeiro, 14 de fevereiro, 20 de março e 17 de abril de 2024
Páginas: 103