Sexo!
Sexo!
Como é que eu fico sem sexo?
Eu quero sexo! Me dá sexo!
– Ultraje a Rigor
Suzie é uma jovem que deseja salvar uma livraria das frias garras de um banco. Jon trabalha nesse mesmo banco, mas detesta o que faz. Um belo dia, durante uma festa, os dois se conhecem, transam e descobrem terem muito mais em comum do que apenas uma atração passageira. Acontece que Suzie, desde que teve seu primeiro orgasmo, descobriu que consegue fazer o tempo parar com seu êxtase e, desde então, achava-se sozinha no mundo com essa habilidade estranha a que o título do primeiro arco de Criminosos do Sexo faz alusão. Mas Jon, claro, tem a mesma habilidade e eles, juntos, decidem fazer o óbvio: usar esse poder para roubar o banco de maneira a salvar a livraria.
Que premissa maravilhosa, não é mesmo? Logo de cara Matt Fraction e Chip Zdarsky fazem o que poucos fazem em quadrinhos mensais: lidam de frente com sexo. Mas não o sexo como um detalhe na vida de um casal, mas sim como elemento central da narrativa. O artifício de transformar o orgasmo de Suzie e Jon em algo capaz de paralisar o tempo até o momento em que ou eles têm orgasmo novamente ou deixam de ficar excitados é apenas um veículo inteligente para lidar com sexo, sexo, sexo sem barreiras, sem pudor e sem puritanismos. Já na primeira página da primeira edição, que mostra os protagonistas transando no banheiro do banco, a dupla criativa não quer deixar dúvidas para o leitor sobre o que ele encontrará nas páginas seguintes, servindo como um aviso do tipo “pare agora se você for muito sensível a esse tipo de coisa ou vá em frente e divirta-se”.
Pode não representar muita coisa para nós, brasileiros, esse tipo de abordagem, mas com certeza é algo ousado para o público americano, ainda que a fração de leitores de quadrinhos seja mínima e, na maioria das vezes, de mente bastante aberta mesmo para os padrões de nossos vizinhos lá no norte. No entanto, Fraction e Zdarsky entregam uma aventura romântica – ou seria um romance de aventura? – incrivelmente gostosa de ler e de apreciar cada momento. O que imediatamente chama a atenção, além do sexo, sexo, sexo, claro, é a forma como ele primeiro aborda Suzie desde criança até a idade em que se passa a história descobrindo seu poder e, com isso, tendo seu mundo não exatamente ampliado, mas sim reduzido em razão de não encontrar eco do que sente em seus parceiros de cama. Há um cuidado grande para trabalhar seu passado para além desse elemento, ainda bem, com seu pai, que coincidentemente trabalhava no mesmo banco que Jon um dia trabalharia, sendo morto por um atirador e sua mãe entregando-se ao álcool e basicamente largando-a ao deus dará.
Mas não há amargura em Suzie. E é isso que a torna especial. Vemos uma jovem vibrante, curiosa e que fala o que pensa, além de conversar conosco, os leitores, com uma simpática quebra da quarta parede que é exclusiva da personagem, mas nunca exagerada e que não chama atenção para si mesmo. Imaginem o jeitinho simpático de Curtindo a Vida Adoidado e não o escracho de Deadpool, só para fins comparativos. E é ela que guia a história toda, ainda que Fraction encontre ótimas maneiras de também lidar com Jon, por vezes emprestando voz a ele por intermédio de Suzie, o que nos permite conhecer também seu passado e suas próprias descobertas que, diferente de sua companheira, abraçou o que provavelmente qualquer adolescente no lugar dele abraçaria, a loja de pornografia mais próxima. E é isso, aliás, que pavimenta o caminho que leva Jon a sugerir, então, que eles deem uma de Robin Hood para salvar a livraria, não contando com a existência de uma “Polícia do Sexo” que, não tenham dúvida, não demora a aparecer.
O que Fraction consegue com seu texto, ou seja entabular uma conversa franca e demolidora de tabus com o leitores, Zdarsky repete com sua arte, mas sempre – SEMPRE! – com extrema elegância. Mesmo quando o artista precisa lidar com as mais bizarras posições sexuais que seriam capazes de fazer Vatsyayana Mallanaga corar de vergonha, Zdarsky faz mágica e entrega um trabalho primoroso que anda com estilo no fio da navalha entre o belo e o vulgar (não que uma coisa seja necessariamente excludente da outra, mas vocês me entenderam, não é?). E isso sem contar com um magnífico trabalho de cores exuberantes e fortes que dão lugar a uma versão esmaecida e “esfumaçada” quando Suzie entra no Silêncio, que é como ela chama o mundo congelado por seu poder e que Jon, claro, sendo um “menino”, batiza com o simpático nome da loja de vídeos pornográficos que frequenta, Cumworld… Se tenho uma reclamação sobre a arte é que eu tenho dificuldade para me acostumar com a maneira que o artista desenha olhos, ou seja, com esclerótica e íris, mas sem pupilas, o que faz com que as íris façam as vezes também de pupilas, o que me dá uma sensação estranhíssima…
O primeiro arco de Criminosos do Sexo, que podemos sim batizar de arco de origem, é, se o leitor não se importar com sexo, sexo e sexo, mas também não quiser só sexo, sexo e sexo, uma leitura absolutamente cativante capaz de fazer qualquer um apaixonar-se imediatamente por Suzie e sua forma de encarar o mundo. Claro que o lado da aventura e da própria estrutura não-linear da narrativa também é capaz de prender qualquer na história, mas eu diria que nada barra a sexualmente liberada protagonista dessa simpaticíssima história que já na largada abordam o sempre “perigoso” tabu do sexo como ele realmente é, ou seja, a coisa mais normal do mundo.
Criminosos do Sexo – Vol. 1: Uma Estranha Habilidade (Sex Criminals – Vol. 1: One Weird Trick – EUA, 2013/14)
Contendo: Sex Criminals #1 a 5
Roteiro: Matt Fraction
Arte: Chip Zdarsky
Editora original: Image Comics
Data original de publicação: setembro de 2013 a março de 2014
Editora no Brasil: Editora Devir
Data de publicação no Brasil: novembro de 2015
Páginas: 136