Manipulação, desejos obscenos, olhares pornográficos e vingança. Essas são as áreas tocadas neste letárgico filme francês Crime de Amor, mas interessante e curioso drama com doses minúsculas de suspense, dirigido por Alain Corneau e escrito pelo cineasta numa parceria com Natalie Carter. Na trama, acompanhamos Isabelle Guérin (Ludiviene Sagnier), uma jovem solitária que encontra contato humano para dialogar apenas pelos labirínticos espaços dos escritórios da empresa onde trabalha. Focada exclusivamente em seu lado profissional, ela abdica de momentos diletantes, tendo em vista manter-se com visibilidade num ambiente misógino e de disputas acirradas constantes. A grande questão deste ponto, aqui, é que o seu maior conflito não será com um homem, mas a disputa travada com a sarcástica e hipnótica Christie Riviere (Kristin Scott Thomas), uma dessas francesas arrogantes que acreditam saber de tudo e deter o poder de maneira a surrupiar o que é do “outro” para assinar como algo seu.
Assim, é incrível observar como uma história tão simples, em seus requisitos dramáticos e estéticos, ganha um desenvolvimento cheio de complexidades estruturais por parte de Alain Corneau, um realizador com escolhas narrativas que pavimentam um caminho repleto de bifurcações que ao meu ver, são desnecessárias e em nada acrescentam ao filme, deixando a sua fruição muito compartimentada e o acompanhamento dos fatos muito tedioso. Aqueles que saem em defesa do cinema europeu provavelmente vão me crucificar, afinal, como criticar algo que é objeto de culto e escudo para a intelectualidade artificial e sair ileso? Enfim, os desafios de qualquer pessoa dentro de sua área de atuação. Vamos, de volta, ao filme. No tal escritório, Isabelle apresenta algumas ideias e a sua chefe Christine as toma para si, tornando opaco todo o trabalho da assistente mais jovem, furiosa e corrosiva por dentro, tamanha a atitude de alguém que deveria valorizar dando o devido crédito ao seu projeto, sem fazer isso se apropriando.
Neste rocambole dramático, ainda temos Phillipe Deschamps (Patrick Mille), um dos colaboradores da empresa que dorme e dispõe prazer sexual para Christine, mas é chantageado pela inescrupulosa mulher que sabe muito bem dos problemas fiscais que o tal funcionário esconde dos sócios. Agora, além de Isabelle, duas pessoas acumulam raiva de Christine. Será que a jovem reativa pode criar um plano de vingança e acabar com a vida de sua chefe, colocando a culpa em Phillipe? E numa manobra dramática inesperada, será que Phillipe pode fazer a mesma coisa? As possibilidades são diversas e Crime de Amor vai brincar com todas as estratégias possíveis para embaralhar fronteiras do tipo de cinema montado mais objetivamente e demonstrar que diferente do que Christine pensa, tanto a sua assistente quanto o seu amante pode ser manipuladores e obscuros como ela.
Assim, ao longo de seus 106 minutos, o filme nos apresenta os personagens numa guerra cheia de latência, sempre muito contida e com momentos de pulsão que nunca explode. Percebemos que uma das intenções do realizador é flertar com a caricatura e fazer de sua narrativa uma história que brinca com padrões já estabelecidos industrialmente, sem cometer excessos com trilhas que sobem demais ou manipulação das cores os figurinos e cenários para a criação de imagens voltadas ao processo de sedução do nosso olhar. Ao contrário de tudo isso, a condução sonora de Pharoah Sanders traz uma textura percussiva branda, ausente inclusive, em muitas passagens. Na direção de fotografia, Yves Angelo traz planos e movimentos burocráticos, sem qualquer cena ousada demais, tal como o design de produção de Katia Wyszkop, igualmente simples, sem elementos que o tornam atrativo aos voyeurs desta história de pessoas manipuladas e manipuladoras, isto é, nós, espectadores que observam do lado de cá, com níveis de paciência adicionais, o deslanchar desta trama repleta de personagens maniqueístas e diálogos debochados, tal como o próprio discurso do filme, amoral e irônico.
Crime de Amor (Crime d’amour | França – 2010)
Direção: Alain Corneau
Roteiro: Alain Corneau, Natalie Carter
Elenco: Ludivine Sagnier, Kristin Scott Thomas, Patrick Mille, Guillaume Marquet, Gérald Laroche
Duração: 106 min