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Crítica | Criando a Noiva de Frankenstein

Os bastidores e os desdobramentos de uma sequência considerada "superior" ao seu ponto de partida, o clássico Frankenstein, de 1931.

por Leonardo Campos
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Documentários retrospectivos de cinema são interessantes por diversos motivos. Resgatam clássicos, promovem aulas sobre a evolução da linguagem em questão, além de nos levar para dentro dos bastidores de produções que marcaram época e deixaram um importante legado e impacto cultural. Esse é o caso de Criando A Noiva de Frankenstein, uma produção com média de 40 minutos que radiografa o processo criativo por detrás do filme, com depoimentos mais atuais que se descolam do seu contexto para que entendamos melhor como o clássico sobreviveu ao tempo e ainda gera debates na atualidade. Não apenas como crítico de cinema, mas como docente de Cinema e Audiovisual, acredito no gênero como uma estratégia poderosa de resgate da memória cultural e, consequentemente, funcionamento dentro dos mecanismos que engendram aquilo que na dinâmica pedagógica chamamos de aprendizagem concreta. Desde suas origens, o documentário se destaca como uma ferramenta potente para registrar, analisar e refletir sobre informações e narrativas relacionadas à história do cinema. É uma modalidade narrativa que emerge não apenas como uma forma de arte, mas como um meio eficaz para resgatar e reconstruir memórias que, de outra forma, poderiam se perder no tempo, principalmente quando versamos sobre clássicos, filmes que passaram por cortes, perdas nem sempre acompanhadas por restaurações, dentre outras celeumas.

Dirigido pelo historiador e crítico de cinema David J. Skal, a produção embarca numa viagem temporal até 1935, ano de lançamento de A Noiva de Frankenstein, amplamente considerado uma das melhores sequências da história do cinema de terror. Dirigido por James Whale, o filme não apenas dá continuidade à trama do icônico Frankenstein, de 1931, mas também expande a mitologia do monstro, dando um pouco mais de profundidade e complexidade aos temas abordados. No clássico, o enredo tem em seu preâmbulo, uma retomada da história do primeiro filme, relembrando aos espectadores o trágico destino da criatura e as consequências da busca pela criação de vida. Whale, com sua habilidade para mesclar horror com humor sutil e crítica social, insere na continuação, elementos de tragédia e compaixão. A criatura, interpretada novamente por Boris Karloff, busca conexão e amor em um mundo hostil, refletindo o dilema humano sobre a aceitação e a solidão. Obviamente, como traz o título, um dos pontos centrais do filme é a introdução da Noiva, interpretada por Elsa Lanchester.

A criação da Noiva não apenas serve como um símbolo do amor não correspondido, mas também levanta questões sobre a natureza da vida e da identidade. Ao contrário do que se podemos supor inicialmente, a noiva de Frankenstein não é uma mera adição romântica à história. Ela representa um anseio mais profundo por aceitação e pertencimento. Sua icônica cena de despertar, onde ela se recusa a aceitar a criatura, ressoa com a inquietação da força da rejeição e da incompreensão que permeia todo o filme. O visual e a direção de Whale também merecem destaque. Ele retoma a estética gótica e os cenários sombrios, emprestados do expressionismo alemão, e cria um ambiente que eleva esteticamente os aspectos narrativos da trama. Não há apenas uma usurpação, digamos assim, da estética alheia. Há, de fato, a habilidade do cineasta em empregar luz e sombra para acentuar o incrível trabalho de maquiagem e figurino, imortalizando a imagem da Noiva, que se tornou um ícone cultural. A cena em que ela grita e desmaia ao encontrar a criatura é não apenas um momento de horror, mas também uma representação poderosa da aversão e do medo do desconhecido.

Criando a Noiva de Frankenstein começa com um pequeno clipe com algumas das cenas mais emblemáticas do filme. O cineasta Joe Dante, fã e declaradamente influenciado por esses clássicos da Universal, levanta um questionamento interessante; sequências conseguem ser superiores aos seus originais? Esse é apenas um dos tantos depoimentos apaixonados dos entrevistados, pessoas que guardam lembranças pela associação com quem esteve nos bastidores, ou então, assistiram ao filme que marcou, de alguma forma, a sua perspectiva profissional. Sarah Karloff afirma que a trama mescla de maneira sofisticada, elementos de terror e humor, numa simbiose sutil e elegante. Whale, habilidoso no teatro, foi trazido para Hollywood e fez a sua carreira com esses “filmes monstruosos”. Para Bill Condon, Frankenstein foi o Tubarão da época, numa comparação com o legado e impacto cultural do filme de Spielberg, sendo uma sequência algo inevitável. Os depoimentos também fazem questão de reforçar o interesse dos realizadores em trazer mais de Mary Shelley para o filme, numa passagem que resgata de maneira livre, com várias alterações, a história sobre a Vila Diodati e o encontro entre Lord Byron, Percy Shelley, John Polidori e a escritora britânica, a única a conseguir terminar a proposta que estabelecida entre o grupo: a criação de uma trama de terror.

O documentário também nos conta a insatisfação de Boris Karloff com a possível caricatura que se tornaria o monstro, ao passo que os realizadores decidiram inserir falas. Para o ator, era uma estratégia dramaticamente fora de propósito, mas segundo os entrevistados, em especial, a sua filha, parece que as previsões do pai estavam equivocadas. Ademais, dentre as curiosidades e interpretações, Criando a Noiva de Frankenstein nos explica que o filme elevou as narrativas de monstro do ciclo para uma perspectiva estética mais sofisticada. O primeiro filme, com elenco estadunidense, passou a ter desempenho dramático de profissionais da atuação britânicos, numa de tantas mudanças de direcionamento nos bastidores. Algumas pontes narrativas foram ajustadas na pós-produção, os cortes sobre qualquer temática religiosa foram realizados para atender ao que previa a legislação do Código Hays e, numa das abordagens mais curiosas, o cineasta Ronny Yu surge em cena para comentar a sua inspiração na sequência para a construção de determinados aspectos do bizarro e divertido A Noiva de Chucky, associação que eu sequer lembrava, haja vista ter assistido ao filme lá em 1999, época em que ainda semeava a minha cinefilia e não tinha aderido aos clássicos do terror como conteúdo de entretenimento.

Por fim, retomo as considerações da abertura dessa reflexão para tecer mais alguns breves tópicos sobre a importância desses documentários retrospectivos, em especial, os organizados pela Universal. Um dos aspectos mais relevantes dessas produções é a capacidade de oferecer uma representação crítica da realidade. Ao abordar temas como a evolução das técnicas cinematográficas, o impacto social dos filmes e a trajetória de cineastas influentes, o gênero permite que o público tenha acesso a um conhecimento mais adensado sobre o percurso de moldagem e recepção de narrativas que estão prestes a completar um século de existência. É um investimento de cunho comercial para a disponibilização de mídias físicas, mas para além do aspecto comercial, são valiosas por sua curadoria e detalhismo na explanação não apenas dos bastidores e das curiosidades, mas também do entendimento de tais filmes ao longo da história evolutiva da linguagem do cinema.  Ademais, os documentários desempenham um papel crucial na preservação das memórias coletivas e individuais.

Outro ponto importante é a capacidade dos documentários de desafiar narrativas hegemônicas. Através de uma abordagem crítica e investigativa, eles podem reexaminar e, muitas vezes, reinterpretar eventos e nos colocar, enquanto espectadores, a confrontar verdades desconfortáveis e reavaliar o que se considera história. Em Terror Universal, Boris Karloff: Um Monstro Amável, Frankenstein: Como Hollywood Criou Um Monstro e nesse Criando a Noiva de Frankenstein, percebemos que as memórias são resgatadas, análises de cenas são estabelecidas, mas os entrevistados não deixam de tecer os problemas narrativos e as fragilidades de tais narrativos, num exercício crítico que exalta a importância história de tais produções, mas não ficam apenas naquilo que popularmente chamamos de “passar pano”. É clássico? Sim. Tem sua importância? Lógico. Mas não são perfeitos. E é ai que reside o charme desses documentos audiovisuais que funcionam como entretenimento e aprendizagem.

Criando a Noiva de Frankenstein (She’s Alive! Creating the Bride of Frankenstein | EUA, 1999)
Direção: David J. Skal
Roteiro: David J. Skal
Elenco: Joe Dante, Christopher Bram, Scott MacQueen, Bob Madison, Sara Karloff, Clive Barker, Paul M. Jensen, Bill Condon, Gregory W. Mank, Rick Baker, Dwight David Frye
Duração: 39 min.

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