Home TVTemporadas Crítica | Crepúsculo dos Deuses – 1ª Temporada

Crítica | Crepúsculo dos Deuses – 1ª Temporada

O preço da vingança.

por Ritter Fan
128 views

A parceria de Zack Snyder com o Netflix só resultou em agressões audiovisuais que parecem evidenciar a decadência de um cineasta que sempre reputei ser de qualidade. Army of the Dead: Invasão em Las Vegas e as duas partes de Rebel Moon que inexplicavelmente ganharam cortes do diretor com direito à minutagem ainda mais inchada e novos subtítulos são verdadeiras aberrações ultraviolentas em câmera lenta que depõem contra o Cinema em geral e contra o diretor em particular. Quando soube que uma série animada baseada na Mitologia Nórdica capitaneada por Snyder ao lado de Jay Oliva e Eric Carrasco, reagi com indiferença e, não fosse pelo tema, talvez tivesse deixado passar em branco por pura exaustão só de pensar em assistir mais outra porcaria abissal com a assinatura do diretor.

Mas ainda bem que conferi a série, já que Crepúsculo dos Deuses, muito ao contrário, pode ser – espero que seja! – o começo da redenção de Zack Snyder que, mesmo só tendo dirigido o primeiro e último episódios, inegavelmente deixou sua marca na temporada inaugural, marca essa que faz o espectador lembrar dos tempos áureos do diretor à frente de filmes como 300 e Watchmen. Só para ficar claro, porém: trata-se de um possível começo de retorno à forma, já que a série ainda está aquém do potencial que o cineasta demonstrou em sua época áurea, mesmo que seja uma digníssima jornada de vingança que coloca humanos (nem sempre apenas humanos) contra um panteão de deuses covardes e violentos em uma rinha de galo franca e visualmente impactante.

O estopim em si da história, é objetivo, começando de verdade quando a família de Sigrid (voz da holandesa Sylvia Hoeks), uma guerreira ruiva de sangue humano e de gigantes de Jotunheim, é brutalmente massacrada por Thor Odinson (Pilou Asbæk) no dia de seu casamento com o rei humano Leif (Stuart Martin), em uma demonstração de fúria incontida misturada com absoluto desdém pela vida de quaisquer criaturas que ele considera inferior, exatamente na linha das versões clássicas dos deuses das Mitologias Nórdica, Grega e Romana como, aliás, foi recentemente visto no próprio Netflix, mas de maneira bem diferente, claro, em Kaos. Sigrid jura vingança e, com a ajuda de Leif, parte para reunir um grupo de guerreiros para a missão nada simples de matar Thor, seguindo-se, daí, a boa e velha estrutura de formação de um grupo heterogêneo ao longo de uma jornada pelas diferentes terras desse mundo que é uma amálgama do real com o mitológico, com direito às constantes manobras de Loki Laufeyson (Paterson Joseph) para ostensivamente ajudar a guerreira para ele próprio, claro, conseguir o que quer.

O sexo e a violência estão no DNA da série e, sendo muito sincero, de quase tudo que Snyder faz. Nada de errado aí, especialmente porque esses artifícios, mesmo que extremados, estão em um contexto propício e lógico a eles, com a temporada seguindo de maneira inclemente nas mais variadas maneiras de se cometer atos atrozes com respiros sexualmente quase explícitos que alguns até podem achar apelativos, mas que, sinceramente, me pareceram condizentes com a inexistência de qualquer traço de vergonha da produção em atrair o público com a promessa de corpos desnudos e sangue jorrando. Ajuda muito o fato de o design da animação ser belíssimo, com traços fortes que demarcam personagens de corpos, cores e estaturas variadas, cada um guardando e mantendo suas características físicas marcantes ao longo dos oito episódios, com a técnica de animação, cortesia do estúdio francês Xilam, dando muita e estilosa vida à fúria de Sigrid e seus companheiros e também de Thor, que poderia muito bem ser chamado de Deus da Carnificina no lugar de Deus do Trovão.

Por outro lado, o foco em sexo e violência – mais no segundo do que no primeiro, vale dizer – cobra um preço, que é a redução significativa de espaço para o desenvolvimento de personagens. “Ah, mas lá vem o crítico querer essas bobagens em uma série que não tem esse objetivo”, alguns certamente dirão com os olhos rolando, tenho certeza. Acontece que tudo é uma questão de equilíbrio e até Snyder, não muito conhecido por essa característica, conseguiu trabalhar violência extrema e construção de personagens em vários de seus primeiros filmes, pelo que teria sido ótimo se ele, depois de seus lançamentos mais recentes, tivesse retornado à forma. Não foi dessa vez, porém, mas, como eu disse, Crepúsculo dos Deuses é, sem dúvida alguma, trilha um caminho de qualidade. Mas, voltando aos personagens, meu ponto é que até mesmo Sigrid, obcecada e cega pela vingança, não é explorada pelos roteiros como deveria ser, mesmo que ela pelo menos goze de um arco narrativo decente que coloca sua fúria em xeque em relação ao que sente por Leif e que a faz passar por um doloroso processo de perda de humanidade. Leif, por sua vez, subvertendo a expectativa de um guerreiro viking, de um macho alfa, é caracterizado pela temperança, pela hesitação em responder somente com violência e pela tentativa de realmente compreender o que está acontecendo ao seu redor. Os demais personagens, porém, são mais arquétipos do que efetivamente personagens, ainda que, como disse, sejam todos visualmente impressionantes e com excelentes trabalhos de voz no geral, talvez a maior qualidade da série se eu tiver que escolher uma só.

Tomara que Crepúsculo dos Deuses, mais do que uma boa série animada, marque uma virada nesse ponto da carreira de Zack Snyder. Não só há espaço para diretores de forte assinatura como ele em um cenário em que obras de ação parecem, em grande parte, pastiches genéricos, como a ultraviolência – caminho que reputo sem volta em um mundo cada vez mais indiferente à atrocidades – se beneficiaria de um verniz minimamente autoral para não se tornar apenas algo banal e isso ele sem dúvida consegue oferecer quando quer.

Crepúsculo dos Deuses – 1ª Temporada (Twilight of the Gods – EUA/França, 19 de setembro de 2024)
Criação: Zack Snyder, Jay Oliva, Eric Carrasco
Direção: Zack Snyder, Jay Oliva, Tim Divar, Andrew Tamandl, Dave Hartman
Roteiro: Eric Carrasco, Caitlin Parrish, Peter Aperlo
Elenco: Sylvia Hoeks, Stuart Martin, Paterson Joseph, Pilou Asbæk, Peter Franzén, Birgitte Hjort Sørensen, Paget Brewster, Hakeem Kae-Kazim, Susan Denaker, Josefin Asplund, Ben Prendergast, Jamie Chung, Kristofer Hivju, Jamie Clayton, Peter Stormare, John Noble, Ray Porter, Morla Gorrondona, Roger Craig, Corey Stoll, Lauren Cohan, Thea Sofie Loch Næss, Tracy Ifeachor, Anya Chalotra, Ólafur Darri Ólafsson, Jessica Henwick, Dave B. Mitchell, Yetide Badaki, Tove Lo, Helena Mattsson, Tómas Lemarquis
Duração: 243 min. (10 episódios)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais