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Crítica | Coriolanus

por Sidnei Cassal
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A simples menção do nome Shakespeare traz à mente da maioria das pessoas imagens de palácios, reis, príncipes e para os já iniciados na sua literatura, ocasionalmente, túnicas e espadas. Ao assistir esta única versão para o cinema da tragédia Coriolanus, tudo isto se desfaz. O ator Ralph Fiennes – o eterno Voldemort, de Harry Potter – aqui ocupa a difícil  dupla função de ator-diretor e transpôs a história do general romano para os dias atuais. A cidade ainda se chama Roma, mas é praticamente uma Roma distópica, mais próxima da realidade de muitos países do leste europeu nas últimas décadas, envolvidos em conflitos internos.

De início, principalmente aos espectadores brasileiros, a opção do diretor em manter os diálogos do texto original – apesar de trazer a ambientação da história para os nossos dias – traz um certo estranhamento, que logo se desfaz. Digo principalmente aos brasileiros porque o texto original de Shakespeare traduzido para o português mais próximo do que se possa imaginar que corresponda àquele falado e escrito em terras lusas à época em que a peça foi escrita, sofreu muitas transformações em comparação ao português falado e escrito por nós brasileiros atualmente. Bem mais do que em relação aos portugueses e ainda mais que a língua inglesa ao longo dos anos, daquela época até hoje, embora menos na Inglaterra que nos países que hoje correspondem a suas antigas colônias.

Esta opção, no entanto, embora contrastante com a ambientação e figurinos em relação à concepção original da peça é compreensível. Estamos falando de Shakespeare, do teatro clássico, onde as palavras eram tudo. Assim, diretor e roteirista provavelmente tiveram a intenção de não mexer em uma palavra sequer para que a excelência do texto fizesse o seu trabalho, e além disso, ressaltasse com maior ênfase a atualidade do seu conteúdo.

Defendido por alguns como um texto trágico à altura dos mais célebres Hamlet, Othello e Macbeth, Coriolanus tem, no entanto, ao menos uma característica que o diferencia desses: não encontramos na peça os famosos solilóquios, os monólogos onde o herói expõe suas dúvidas, aflições e angústias ao público. Nosso general é retratado na linha tênue entre herói-vilão, acusado de traição pelo povo por quem venceu honradamente tantas batalhas, e se vê repentinamente ele, sim, traído pelo povo, de quem decide se vingar. Qual a melhor forma de se vingar de amigos que o transformaram em inimigo do que aliar-se àqueles que já eram declaradamente inimigos destes?  É isto que Coriolano faz, ao procurar seu antigo antagonista, Tullus Alfidius, líder dos Volscos. Nasce dali uma aliança militar que irá colocar Roma em perigo.

A notória falta dos monólogos se justifica pela proposta de Coriolanus.  A ação domina. Que os puristas e estudiosos clássicos da obra de Shakespeare me perdoem, mas Coriolanus é quase o roteiro pronto para um bom filme de ação, um filme de guerra incendiado pela vingança. E Fiennes estava inspirado e certíssimo na linha que adotou. A começar pela escolha precisa do elenco. Além de sua excelente interpretação como Caius Martius Coriolanus, Vanessa Redgrave se destaca como a mãe, Volumnia. Nunca tive a oportunidade de vê-la atuando nos palcos, mas esta lenda viva da dramaturgia universal, moldada e familiarizada com textos de Shakespeare, sempre soube dosar uma atuação marcante com o filtro necessário a uma composição que não guardasse uma teatralidade imprópria ao mundo do cinema.  E sua Volumnia é mais um triunfo desta grande atriz.

Embora o elenco possa ser considerado o ponto alto do filme, não posso deixar de citar a melhor sacada desta versão para as telas: redefinir o coro – os comentários da peça, tão comuns na obra de Shakespeare – num formato de telejornal. Esta única adaptação para o cinema de Coriolanus e única empreitada de Fiennes na direção tem competência de sobra, merecendo ser descoberta e apreciada pelos amantes do bom cinema.

Coriolanus (Coriolanus, Inglaterra – 2011)
Direção: Ralph Fiennes
Roteiro: John Logan, baseado na obra de William Shakespeare
Elenco: Ralph Fiennes, Gerard Butler, Vanessa Redgrave, Brian Cox, Jessica Chastain, Paul Jesson
Duração: 123 minutos

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