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Crítica | Contos dos Orixás

por Rodrigo Pereira
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Se dentro do cinema vimos a exaltação de culturas africanas atingir aclamação global de público e crítica com Pantera Negra, dentro do mundo dos quadrinhos temos Contos dos Orixás, uma obra brasileira de grande qualidade, que aborda temas semelhantes e que merecia destaque e aclamação similares ao filme do nosso príncipe/rei wakandiano favorito.

Com roteiro e arte de Hugo Canuto, a obra independente conta a história dos Orixás, deuses e heróis nascidos no Aiyé (o mundo físico) que atingem esse nível por grandes realizações, como se fosse um típico quadrinho de super-heróis escrito pelas gigantes da indústria. Tudo que os leitores de quadrinhos estão acostumados está presente: grandes figuras heróicas e vilanescas, demonstrações de poderes dos mais variados e interessantes, ações surpreendentes e inusitadas e grandes confrontos com cenas de tirar o fôlego. Mesmo que siga uma linha narrativa bastante comum dentro do gênero, é bem construída e consegue prender nossa atenção até o final.

Apesar da obra possuir uma dinâmica de grupo, principalmente da metade em diante, o protagonismo da aventura existe e fica a cargo de Xangô, o rei da cidade de Oyó e Senhor do Trovão. O desenrolar da trama se dá quando Larô, rei de Oxogbô, vai ao reino de Xangô pedir ajuda na luta contra Ajantala, um poderoso guerreiro munido com magia ancestral, e seu exército, a temida Manada, que visam conquistar a cidade às margens do rio Oxum e todo o poder que envolve o local. Sabendo do perigo que tal poder em mãos erradas pode trazer para seu povo no futuro, Xangô aceita ajudar Larô e lidera um exército ao lado de Iansã, rainha e Senhora dos Ventos e Tempestades, contra o forte guerreiro.

A relação desenvolvida por Xangô e Iansã, inclusive, é algo bastante positivo na obra. Ambas personagens têm suas (fortes) personalidades destacadas, criando um estreito laço de companheirismo e afeto que expressa bem seus sentimentos um com o outro, mesmo em meio a uma iminente guerra e tomadas de decisões que caem sob quem usa a coroa. E quando refiro-me a coroa não é restrito ao rei. A típica submissão de personagens femininas perante personagens masculinos é rechaçada aqui, sendo possível identificar que o poder, influência e respeito que Iansã detém em seu reino é idêntico ao de Xangô (em determinados momentos, parece possuir até mais prestígio, como é mostrado entre os integrantes do conselho real).

Também é interessante as relações mostradas entre os representantes da cidade da savana (Oyó) e às margens do rio Oxum (Oxogbô). Quando Ogum, o Senhor das Duas Espadas e maior guerreiro de Oxogbô, junta-se ao exército de Xangô, apesar do grande respeito existente, é perceptível o embate das personalidades. Enquanto Xangô, representado pelo fogo, é impulsivo, Ogum, ligado ao ferro, desenvolvimento da humanidade e principal guerreiro da cidade da água, é mais pragmático e estrategista, algo que causa certo acirramento no modo em como a caravana de guerreiros deve continuar sua jornada até Oxogbô. Essa dinâmica que Canuto trabalha os elementos primordiais e transfere para como cada personagem agirá, tornando-se uma personificação híbrida entre entidades e elementos, é realmente interessante.

Interessante tal qual a arte do autor, uma homenagem direta ao grande Jack Kirby. As cores vivas e fortes e o traço semelhante a um dos maiores nomes da história da Marvel e da nona arte são uma belíssima homenagem de Canuto à Kirby e um dos pontos mais altos da obra. Apesar de sentir falta de quadros mais abertos e que explorassem melhor o cenário em alguns momentos, principalmente nos combates, a beleza estonteante das vestimentas, armas, poderes e, especialmente, cidades que o artista nos presenteia é digna dos melhores elogios possíveis e até de comparações positivas com o mestre nova-iorquino. A batalha final, muito bem dividida em três núcleos de enfrentamento que ocorrem simultaneamente sem fazer a trama perder ritmo, é, sem dúvidas, o ponto alto da história e consegue arrepiar o leitor com as magníficas demonstrações dos poderes dos personagens. Uma ótima maneira de conhecer mais sobre os orixás e religiões de matrizes africanas ao mesmo tempo que se diverte e colabora com o desenvolvimento da arte brasileira.

Contos dos Orixás (Brasil, 2018)
Roteiro: Hugo Canuto
Arte: Hugo Canuto
Cores: Hugo Canuto
Editora: Independente
Páginas: 120

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