O período natalino não é uma época de fartura e felicidade plena para todos. Enquanto alguns gozam dos privilégios de ter uma mesa abastada, um lar confortável e pessoas com boas energias para dividir momentos de alegria, outros perpassam os festejos com os olhos vidrados nas diferenças sociais que transformam as suas jornadas em um fosso: mesa vazia, a ausência de um lar digno para se abrigar e a batalha pela sobrevivência como mote básico de sua existência. Conto de Natal, de Rubem Braga, é uma destas histórias que prezam por uma abordagem deprimente deste momento de nosso calendário anual. Conhecido por ser um dos cronistas mais badalados da literatura brasileira do século XX, o escrito traz em seu estilo simples, mas profundamente revelador, a história de miséria de uma família que vivencia uma véspera de Natal diferente daquilo que geralmente esperamos. Não há frondosas árvores decoradas, pratos sofisticados para degustação, tampouco trocas de presentes. Ao contrário, há sofrimento, dor e, numa virada angustiante, a presença da morte, irônica e assustadora.
No desenvolvimento do conto, acompanhamos a saga de uma mulher grávida, com o seu marido e um filho. Com a fome e o cansaço à espreita, eles atravessam uma estrada no dia de Natal. De vocabulário limitado, ansiosos por algo que possa aplacar as dificuldades que os deixam cerceados, os personagens de Conto de Natal encontram um possível lugar para descanso, mas para isso, precisam driblar uma cerca de arame farpado. Esse é um dos tantos obstáculos da travessia. Caminham até uma única árvore com sombra do local. Sentam-se no chão e ficam calados, cada um com seus pensamentos. É uma atmosfera de desilusão. O sol, ardente, secava o pasto maltratado, conforme as descrições do narrador que delineia cada aspecto do espaço por onde as figuras ficcionais se instalam. O calor, sufocante, era acompanhado da falta de uma brisa mínima que fosse capaz de mexer uma das folhas.
Mais adiante, seguem caminho. Enquanto o menino choramingava, a mãe destacava para o marido, Faustino, a chegada do bebê. O seu corpo sinalizava isso e, desde então, a caminhada fica mais tensa. Conseguem um carreiro para colaborar com a travessia e se instalam na habitação de um fazendeiro que está fora há dois dias. Numa referência ao marco cristão que define as comemorações natalinas, a família passa pelo nascimento do bebê num espaço rústico, envolvendo capim cortado, dentre outros recursos que nos remetem ao que é a simplicidade. Depois da chegada do segundo filho, se dão conta de que é Natal. O pai, então, diz que o nome do recém-chegado será Jesus Cristo. De repente, após esse breve diálogo, o filho mais velho chama o pai para mostrar o irmão. Sim, do nada, o pequeno Jesus está morto.
O nascimento de Cristo é a base para o período natalino. Aqui, por sua vez, precisamos lidar com a morte de um ser humano recém-nascido, numa perspectiva pessimista para a época. Sem deixar espaço para emoções ainda mais fortes, Rubem Braga encerra a sua narrativa curta e objetiva de forma a causar espanto. Sem chances, caro leitor, de elevações. O bebê tem a sua vida aniquilada sem explicações. É chocante e muito triste, mas revelador da crítica empreendida pelo escritor diante da realidade daquela família. Colocar no mundo mais uma criança para sofrer? Teria sido um alívio, uma espécie de libertação para a existência de peregrinação que nos faz lembrar, salvaguardadas as devidas proporções comparativas, Morte e Vida Severina e Vidas Secas, de João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos, respectivamente, marcos da nossa história literária que retratam cenários de desesperança, dor e morte, cada uma à sua maneira, em espaços onde as diferenças sociais demonstram o qual a desigualdade é desumana, mas uma realidade intensa ainda muito em voga em nosso contexto.
Para alguns, nem sempre há chances de se vivenciar um Feliz Natal.
Conto de Natal (Brasil, 1964)
Autor: Rubem Braga
Editora original: Artes Graficas Gomes de Souza S. A.
3 páginas