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Crítica | Contatos Imediatos do Terceiro Grau

por Gabriel Carvalho
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“O Sol saiu de noite e cantou para mim.”

Contém spoilers.

O contato entre ser humano e vida alienígena é uma das abordagens mais clássicas do cinema, tendo sido explorado desde os primórdios da linguagem cinematográfica. O revolucionário Viagem à Lua, de George Meliés, datado de um longínquo 1902, já abordava essa relação do homem com o desconhecido. No entanto, uma das vertentes que mais se deliciaram com essa temática de ficção científica foi a de invasão alienígena, a qual conta com uma vasta coleção de exemplares, de Vampiros da Alma a Independence Day. Ao seguir essa linha, Steven Spielberg, todavia, opta por transgredir, como poucos fizeram, a mentalidade da presença extraterrestre como maligna. Mais do que apenas ser uma alteração do pensamento próprio da visão humana do espaço, é uma mudança na forma de se ver o outro, o diferente. Em tempos nos quais refugiados e imigrantes são vistos como pragas a serem exterminadas, lados políticos “opostos” se veem polarizados entre o bem e o mal e religiosos não conseguem sustentar a existência da crença do outro, mesmo que a intenção do cineasta não tenha nenhuma crítica social intrínseca, é extremamente refrescante assistir a vinda de seres de outro planeta, por mais aterrorizantes que sejam, interessados em um simples contato. Com essa mensagem, a premissa do filme é instaurada com aparições de objetos voadores não identificados por todo o planeta

Enquanto pessoas singulares seguem um rastro abstrato, entidades governamentais entendem que tais visitantes estão atrás de contato. Por parte do povo comum, porém, tudo é mantido em segredo, embora habitantes como Roy Neary (Richard Dreyfuss) e Jillian Guiler (Melinda Dillon) estejam convictos de que alguma coisa esteja errado. Para Jillian, o trauma de seu filho encontrar-se desaparecido após uma abdução, e para Roy, a obsessão por uma montanha enigmática, que leva-o a deteriorar o seu relacionamento com a sua própria família. Em ambos os casos, a resposta irá ser provida após os dois terem seus primeiros contatos imediatos do terceiro grau. O roteiro de Spielberg, que seguia do enorme sucesso feito com Tubarão, acerta na composição de seus dois protagonistas. Primeiramente, Roy recebe uma boa carga dramática em seu núcleo familiar. Suas crises de “loucura” são dolorosamente amargas, e preenchidas com atuações competentes do elenco infantil. Em paralelo a isso, o casting é esplendoroso (aliás, contando com uma participação considerável do diretor François Truffaut). Richard Dreyfuss transmite perfeitamente tanto seu fascínio quanto o seu delírio pelo desconhecido. O desfecho encontrado para Roy é poético; uma bem vinda calmaria para um personagem que foi efetivamente quebrado pelo contato imediato, perdendo muito na jornada que lhe veio, mas, quem sabe, ganhando mais na que lhe virá.

Da mesma maneira, Melinda Dillon interpreta uma forte figura feminina. A personagem é mãe solteira de Barry (Cary Guffey), o qual acaba sendo atraído e levado para dentro de um OVNI. Apesar de em nenhum momento termos alguma situação trivial entre os dois, todos os impasses de perigo permitem Melinda invocar um amor intrínseco da sua personagem pelo seu filho, garantindo ao público uma verdadeira convicção de que estão diante de uma mãe em sofrimento. Contudo, Spielberg não acerta a mão no relacionamento entre Roy e Jillian. Este não se estabelece em nenhum momento como um algo amoroso, e sim como uma casualidade amigável, na qual duas pessoas que encontravam-se fragilizadas acabam entendendo um ao outro como uma possível amizade no meio do caos. O beijo final é extremamente destoante do que estava sendo construindo, muito inesperado (não no bom sentido da palavra). Ademais, sob um ponto de vista técnico, Contatos Imediatos é um deleite cinematográfico de qualidade inquestionável. O design de som é espetacular, contando com um apuramento impecável. Igualmente, os efeitos visuais são impressionantes, tendo em vista o ano de lançamento, tão bons quanto os de Star Wars, “rival” do ano de 1977 no quesito ficção científica. A aparição das naves durante todo o longa é rodeada de cores vibrantes, as quais fascinam tanto os personagens quanto os espectadores.

Na década de 70, a cautela de se mostrar claramente os objetos alienígenas promoveu um senso de imaginação ao espectador, que, quando percebeu o detalhamento e proporções da aeronave, certamente estava com os olhos brilhando. A obra definitivamente não desaponta. Em pleno século XXI, mesmo munidos de produções cheias de CGI para todos os gostos, muitos espectadores ainda terão a mesma sensação. Tal sentimento é impulsionado pela própria natureza da aparição dos extraterrestres em si. Spielberg leva até os últimos minutos do longa o imaginário do público com ele, sendo que, ao finalmente revelar a fisionomia dos “invasores”, oferece respostas tão satisfatórias quanto as já imaginadas. Os devidos créditos a Carlos Rambaldi, responsável pelo design dos alienígenas. Portanto, em cenas como a da abdução de Barry, a tensão é impulsionada exatamente por não sabermos (e em consequência, naturalmente temermos) o que espreita os personagens. Tudo o que nos é fornecido é uma mitologia sendo criada em torno de mistérios interessantíssimos. A utilização da música, conjunta a isso, é uma forma original e lúdica de apresentação de toda uma nova espécie à humanidade. A mística criada sobre isso é extremamente gostosa de relembrar, dando margem a uma identidade original para a obra.

Da mesma maneira, a trilha sonora de John Willams traz uma relação imediata do público com os personagens, todos inteiramente fascinados com o acontecimento único que presenciam. A aterrissagem e abertura da espaçonave durante o clímax do filme encanta qualquer um que assiste a obra, sendo um dos momentos mais icônicos não só da ficção científica cinematográfica, mas talvez do próprio cinema como um todo. Mesmo após o término do filme, os créditos finais proporcionam ao espectador uma viagem belíssima ao exterior da nave, enquanto a magnífica trilha sonora de John Williams acompanha a  conclusão dessa inestimável experiência audiovisual. Por tudo isto e tanto mais, Contatos Imediatos do Terceiro Grau caracteriza-se como uma belíssima e magnética obra de ficção científica. Os desvios leves do roteiro criativo e simplificadamente inteligente de Steven Spielberg nem de longe conseguem tirar o posto que o filme encontra-se, mas incrivelmente, este não seria o melhor feito do diretor dentro do gênero. Tão imagético quanto Contatos, E.T – O Extraterrestre reiteraria a habilidade do cineasta em encantar o público. Mesmo assim, essa obra prévia por si só já confirma a capacidade de Spielberg na criação de histórias ricas, tão memoráveis, imensamente cheias de vitalidade; histórias que perduram e ainda perdurarão por gerações e gerações de amantes de cinema.

  • Crítica originalmente publicada em 24 de novembro de 2017.

Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind) – EUA, 1977
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Spielberg
Elenco: Richard Dreyfuss, Bob Balaban, Teri Garr, François Truffaut, Melinda Dillon, J. Patrick McNamara, Warren J. Kemmerling, Cary Guffey, Roberts Blossom
Duração: 135 min.

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