Quando Louis Mouchet resolveu fazer um documentário sobre a obra do diretor-mago Alejandro Jodorowsky, ele não imaginava que teria, em parte do processo, um encontro consigo mesmo. E que veria o diretor que tanto admirava voltar-se para ele como objeto de estudo, num olhar para a iluminação pessoal. Ao longo de uma série de entrevistas com Fernando Arrabal, Peter Gabriel, Marcel Marceau e Moebius — além do foco principal da obra, o próprio Jodorowsky, claro — o filme nos faz uma boa introdução para a obra do diretor e para suas atividades além do cinema, como sua relação com o teatro, a psicologia, a literatura, os quadrinhos, o tarô…
O longa se divide em dois grandes atos. No primeiro, o diretor foca exclusivamente na carreira cinematográfica de Jodorowsky, falando sobre o início da jornada artística, sobre seu amor pela mímica e pelo teatro, pelo estudo e trabalho com Marcel Marceau e pela busca de uma nova linguagem, da expressão mais visual do que literal, especialmente quando o assunto era a ânsia do indivíduo para encontrar-se consigo mesmo. Em dado momento Jodorowsky fala algo muito interessante e que certamente pode deixar algumas pessoas bem irritadas. Ele diz que todo o ensinamento sobre “buscar a iluminação”, como um elemento fora do corpo, é pura bobagem, e que isso não existe. Ele defende que todos os seres humanos são iluminados, que têm a maior luz, que é a vida, mas nem todos se dão conta ou encontram esta luz dentro de si. Eis aí a grande diferença, segundo ele.
Partindo desse ponto, a obra mostra um pouco de como essas ideias estiveram, em estágios diferentes de maturidade, na obra de Jodorowsky. Começamos com A Gravata, resultado de seus estudos com Marcel Marceau; seguimos com a jornada anti-surrealista junto de Fernando Arrabal, que geraria Fando e Lis para o teatro e depois para o cinema; e quase que finalizamos com as joias da coroa da filmografia do cineasta, os seus filmes mais conhecidos: El Topo e A Montanha Sagrada. Nesses casos, as informações cedidas ao longo das entrevistas são preciosas e é claramente perceptível que o filme poderia se construir numa exploração maior desses aspectos, inclusive interagindo com outras áreas de interesse do protagonista, mas não é o que ocorre, e isso é o que torna a segunda parte da fita problemática.
Após as películas basilares do Jodoverse, ele fala brevemente das dificuldades de produção de Tusk e principalmente de O Ladrão do Arco-Íris, dando novamente a impressão de que Constelação poderia cortar toda a representação do psicodrama final e explorar muito mais o processo e as fantásticas ideias de Jodorowsky na concepção e manufatura de suas obras. Lamentei profundamente o fato de não haver praticamente nada de Santa Sangre, meu filme favorito do diretor e um de seus mais profundos trabalhos. E ainda nesse primeiro ato, há uma exploração muito boa sobre o processo de criação de Duna, o mais fantástico filme de ficção científica jamais realizado.
Aí entram em cena as entrevistas com Moebius, que também segue para o segundo ato, mas falando de outras coisas. Nesse primeiro bloco, o artista se refere especialmente à produção dos álbuns O Incal Negro (1981) e O Incal Luminoso (1982) e o filme avança para uma reflexão que basicamente expõe as teorias e percepção do Universo mostradas por Jodorowsky e Moebius em A Quintessência – Planeta Difool (1988), para desaguar, infelizmente, na parte menos interessante da fita.
O segundo ato de Constelação Jodorowsky sofre bastante de uma diferença de ritmo em relação ao primeiro, e também tem um impasse de representação temática — muito pessoal e nada dinâmica, cinematograficamente falando — que só serve mesmo de curiosidade para o público em relação ao trabalho de Jodorowsky fora do cinema, mas que poderia ser mostrado de maneira diferente. Consegui ver de um modo mais positivo a leitura das cartas do tarô (que infelizmente o diretor corta) do que a longa e chateante sessão da parte final. Como disse antes, ela serve para mostrar um pouco mais do método e teorias de iluminação e busca por entendimento defendidas pelo diretor, mas está numa obra que tem um ritmo e condução completamente diferentes na primeira metade, o que torna problemática essa abordagem distinta, na parte final.
A despeito de seus problemas no segundo ato, Constelação Jodorowsky é um documentário essencial para que exploremos ainda mais essa maravilhosa cadeia de ideias que é o diretor. Um documentário sobre arte e sobre como olhar a vida de uma nova maneira. Uma impressão recorrente que temos ao terminar uma obra de Alejandro Jodorowsky, seja ele o autor ou apenas um participante dela.
Constelação Jodorowsky (La constellation Jodorowsky) — Suíça, 1994
Direção: Louis Mouchet
Roteiro: Louis Mouchet
Elenco: Fernando Arrabal, Peter Gabriel, Alejandro Jodorowsky, Marcel Marceau, Moebius, Jean-Pierre Vignau, Louis Mouchet
Duração: 91 min.