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Crítica | Confusão em Paris (Violência por Acidente)

Uma armadilha australiana para motoristas desavisados.

por Ritter Fan
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Os dois mais veteranos cineastas australianos ainda vivos e que são mais vastamente conhecidos em todo o mundo, Peter Weir e George Miller, não só são contemporâneos, com apenas alguns meses separando seus nascimentos (Weir é oito meses mais velho que Miller), como começaram suas carreiras no comando de longas-metragens com obras eminentemente automobilísticas. Em 1979, Miller despontou com Mad Max, não demorando a gozar de fama e carreira hollywoodiana, mas, cinco anos antes, Weir lançou um filme que é infinitamente menos lembrado, mas não menos interessante, Confusão em Paris, também conhecido no Brasil como Violência por Acidente, dois títulos ruins para o mais ousado e sugestivo The Cars That Ate Paris ou, em tradução literal, Os Carros que Comeram Paris.

Diferente da proto-distopia ultraviolenta de seu conterrâneo, Weir colocou nas telonas uma obra que, na época, não agradou muito os australianos e que teve distribuição para lá de claudicante por outros países, nunca realmente ganhando fama maior do que aquele duvidoso e indefinível status de filme cult, mais conhecido por cinéfilos que gostam de escavar obras marcantes de começo de carreira de grandes cineastas. Porque Confusão em Paris não só é marcante, como ele estabelece com muita firmeza a visão e capacidade diretorial de Peter Weir, depois de alguns anos testando as águas com curtas de variadas naturezas e mostra sua versatilidade e também sua coragem em revelar-se ao mundo com uma película eminentemente experimental, que definitivamente não tem apelo universal.

A Paris do título é uma cidadezinha fictícia australiana onde se passa a ação e que é uma verdadeira ratoeira para viajantes desavisados que passam por lá dirigindo seus carros, pois entrar na cidade é uma coisa, mas sair dela é uma tarefa impossível. Não se trata de uma distopia, apenas de uma abordagem que parece comentar sobre o desaparecimento de cidades e vilarejos em razão de migrações para centros urbanos maiores e da falta de opção que lugares pequenos oferece. A captura, morte e lobotomia de viajantes, além do aproveitamento das partes dos carros e do conteúdo das bagagens parece-me uma escolha narrativa apenas para chamar atenção do espectador e não algo que transporte a história para uma realidade possível ou alternativa ou que retire o comentário social por trás.

Grande parte do foco do longa permanece em Arthur Waldo (Terry Camilleri), um desses viajantes que passam por Paris e que são obrigados a ficar por lá. Adotado pelo prefeito Len Kelly (John Meillon), ele ganha o cargo de “Oficial de Estacionamento”, o que esquenta uma rixa generacional já existente por ali entre os jovens que transformam seus veículos em estranhos bólidos, valendo destaque para o icônico Fusca prateado e repleto de “espinhos”, e os mais velhos que querem manter uma certa ordem no local, rixa essa que leva à ameaças ao prefeito e a um conflito mortal no baile anual. No entanto, a violência sugerida é apenas isso, sugerida, pois Weir nunca explicita nada e tende a comandar sua obra como algo que goza de uma aura quase mística, além de um passo consideravelmente lento mesmo considerando a curta duração.

É interessante como Weir consegue transitar entre gêneros nesse processo, primeiro estabelecendo uma pegada de filme de horror, depois um drama de conflito de gerações e, ao final, algo que sim, pode ser considerado mais afeito a obras de ficção científica com distopias, ainda que, como disse, não se trate de uma. Há até mesmo flertes com o faroeste quando Arthur começa o seu trabalho pela cidade e precisa enfrentar os “pistoleiros” locais, com a trilha sonora de Bruce Smeaton e a direção de fotografia de John R. McLean incorporando elementos de clássicos do gênero, notadamente as obras de Sergio Leone.

Confusão em Paris é, muito claramente, o trabalho de um diretor talentoso ainda tentando encontrar sua voz, seu estilo e ousando enquanto ainda pode. Peter Weir, que, mesmo não tendo tido uma carreira prolífica, seria responsável por grandes obras em sua filmografia ao longos das décadas e mostra, já nesse estranho começo, uma enorme capacidade de assombrar o espectador e nenhum receio de imprimir a sua visão muito particular nas obras sob sua responsabilidade. O filme automobilístico que foi responsável pelo pontapé de sua carreira, diferente do caso de seu conterrâneo George Miller, não a definiu, com o cineasta partindo para trabalhos ricos e variados nos mais diferentes gêneros, como fica evidente pelo filme que lançaria já no ano seguinte, o lírico, onírico e atmosférico Piquenique na Montanha Misteriosa.

Confusão em Paris // Violência por Acidente (The Cars That Ate Paris – Austrália, 1974)
Direção: Peter Weir
Roteiro: Peter Weir (baseado em história de Peter Weir, Keith Gow, Piers Davies)
Elenco: John Meillon, Terry Camilleri, Kevin Miles, Rick Scully, Max Gillies, Danny Adcock, Bruce Spence, Kevin Golsby, Chris Haywood, Peter Armstrong, Joe Burrow, Deryck Barnes, Edward Howell, Max Phipps, Melissa Jaffer, Tim Robertson, Herbie Nelson
Duração: 91 min.

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