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Crítica | Confiar (2010)

por Leonardo Campos
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Na era prévia ao advento dos smartphones e notebooks, dentre outros aparelhos eletrônicos de mobilidade mais ampla que os computadores fixos em nossas salas, escritórios ou quartos, os pais podiam driblar alguns anseios de seus filhos com brinquedos. Era um processo curioso de troca. Ganhar o presente para ficar quieto e deixar a mamãe assistir a novela em paz, ou então, buscar diversão com seu brinquedo e manter o papai espectador do jogo de futebol sem ruídos que pudessem atrapalhar qualquer lance na tela. Hoje esse panorama mudou. A mamãe é quem pode ser a espectadora do jogo, o papai pode estar fixado na novela ou série, bem como os presentes se tornaram agora mais sofisticados, haja vista a quantidade de modelos de tablets, smartphones e outros aparatos tecnológicos. O que mudou além disso tudo?

Os comportamentos e os riscos. Da era dos brinquedos analógicos ao frenético mundo da virtualidade, as famílias passaram por processos de transformação tão abruptos que alguns casos beiram ao ficcional, tamanha a complexidade da situação. A relação do ser humano com os perigos do mundo virtual já foi trabalhada extensamente nos meandros do cinema. Confiar é mais uma abordagem para esta discussão, muito pertinente após uma década de seu lançamento. Muitos tutoriais, palestras, matérias jornalísticas e outros meios didáticos de conscientização já foram exibidos na televisão, nas redes sociais e nos aplicativos, mas parece que mesmo diante de tantas abordagens, ainda não estamos devidamente preparados para as possíveis surpresas oriundas deste admirável e assustador mundo novo que se renova velozmente.

A velocidade do cotidiano em muitos casos não permite que os pais possam acompanhar as redes sociais de seus filhos, os acessos e os contatos realizados em aplicativos, pois a nossa dinâmica atual difere do que tínhamos há duas décadas, por exemplo, era já influenciada pelo virtual, mas que ainda trazia como preocupação maior os perigos do caminho de casa para a escola e as amizades indesejáveis da vizinhança. Na era do smartphone, o perigo pode ser trazido para dentro de casa e ganhar dimensões catastróficas. É o que acontece com a família de Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener), pais de Annie (Liana Liberato), uma típica adolescente do mundo globalizado contemporâneo, insegura com sua forma física, sempre a projetar ideais para si com base nas modelos e artistas da mídia.

Eles moram na Califórnia e na abertura da produção somos apresentados a um grupo de pessoas que vive uma aparente vida tranquila, sem estresse, equilibrada, ambiente onde provavelmente essas celeumas jamais penetrariam. Ledo engano. Depois que Will presenteia a filha com um notebook, a vida da jovem muda vertiginosamente. Todas as suas inseguranças são projetadas na rede, o que a leva a conhecer um rapaz, Charlie (Chris Henry Coffey). O encontro é marcado e a jovem, em ebulição com seus hormônios adolescentes, é surpreendida por outra pessoa no local combinado, isto é, um homem mais velho que inicialmente a deixa constrangida, mas que por conta de sua conversa, consegue seduzir a jovem para a sua iniciação sexual. Os pais, ocupados em suas dinâmicas diárias, sequer imaginam toda a situação até o dia que a verdade chega á tona e desestrutura as bases da família aparentemente em ordem.

O tema indigesto, complexo em seus desdobramentos reflexivos, ganha na direção de David Schwimmer uma estrutura didático-pedagógica que funciona mal nos quesitos dramáticos, mas ao menos informa. Com roteiro assinado pela dupla formada por Andy Bellin e Robert Festinger, Confiar é um drama que seria bem mais atraente se apostasse na estrutura documental, pois ao passo que os acontecimentos vão ganhando forma e os conflitos se desdobram em busca de resolução, observamos a urgência de um tutorial. Schwimmer, um dos responsáveis pela ONG Rape Foundation, grupo de apoio às vítimas de assédio e afins, permite que o seu filme apresente ao público como funciona o perfil de um predador sexual na rede, bem como ilustra a forma que a polícia estabelece táticas para investigação criminal na rede.

É tudo bem ilustrativo e funciona em prol da reflexão, mas como entretenimento, a narrativa falha miseravelmente. Convencional, o drama aposta na denúncia, faz críticas ao American Apparel e sua moda publicitária que sexualiza jovens, no entanto, nada disso nos permite ir além do conhecimento em torno de questões que tal como abordado antes, seriam mais orgânicas numa estrutura documental. Sem apostar em seus personagens, a direção e o roteiro perdem a oportunidade de nos aproximar, de nos importar com os momentos catárticos, afinal, se não nos identificamos com as criaturas que circulam pela história, a função emotiva se mantém desconectada e não há interesse no que é desenvolvido na tela. Isso é Confiar enquanto drama.

Outro problema: por causa dessa disfunção narrativa, alguns espectadores podem perder o interesse até mesmo pelo didatismo do filme. A mensagem, então, interesse maior da narrativa, pode ser sublimada por esse desinteresse e transformar a experiência em algo ainda mais comprometido. A condução musical de Nathan Larson não empolga, mas funciona bem nas cenas mais contemplativas, voltadas ao drama em profusão, acompanhamento válido para a eficiente direção de fotografia de Douglas Crise, responsável por quadros e movimentos sutis, sem excessos, equilibrados com o ritmo da trama. O design de produção de Michael Shaw também é eficiente, em especial na construção do ambiente doméstico, fornecendo ao filme um clima de família bem estabelecida que logo é destroçada pelos acontecimentos expostos no texto.

Ademais, ao longo dos seus 106 minutos, Schwimmer demonstra ser um ator que sabe gerenciar uma produção cinematográfica. O problema é que a sua escolha didática é morna demais, sem coragem de avançar um pouco mais no polêmico tema, ficando, então, na superfície. O final da trama encerra de acordo com o que geralmente gostamos de contemplar, a normalidade das coisas, a família em busca de reorganização, etc. A mãe ocupa o espaço da agente preocupada com os desdobramentos psicológicos na vida da filha e anseia pela justiça prometida pelos policiais. O pai, por sua vez, arrasado com os acontecimentos, também busca a justiça, mas é quem corre atrás, literalmente, da resolução do caso. Ele é quem protagoniza as breves cenas de tensão. Revoltado, reflete a sua própria condição de publicitário que ao longo da vida lucra com as fotografias de jovens em posicionamentos comprometedores, sexualizados, realidade que ganhara novos contornos depois que a sua filha é vítima de algo que ele sequer havia refletido antes. São conveniências do roteiro, não trabalhadas de maneira suficiente para tornar o filme um entretenimento reflexivo empolgante.

A assistente social Gail Friedman (Viola Davis), em seus diálogos expositivos-explicativos, nos delineia o perfil dos predadores que habitam a rede, isto é, homens mais velhos, alguns casados e com família estabelecida, mas alimentadores de seus anseios pedófilos na destruição das estruturas de outros grupos, um problema cada vez mais crescente no atual mundo da conexão virtual. São “monstros” que captam as variadas garotas como Annie, inseguras, ansiosas e perdidas diante de suas transformações adolescentes. Por meio de logins e IPS difíceis de rastrear, esses seres do submundo virtual confundem as fronteiras, estabelecem a ameaça e muitas vezes causam estragos que não são contornáveis como a história desenvolvida em Confiar. Sinal dos nossos tenebrosos tempos. O que nos resta é a esperança de conseguir contemplar o maior número de conscientizações possíveis e diminuir o impacto de algo praticamente inevitável em nossa dinâmica contemporânea.

Confiar (Trust) – EUA, 2010
Direção:
 David Schwimmer
Roteiro: Andy Bellin, Robert Festinger
Elenco: Brandon Molale, Catherine Keener, Chris Henry Coffey, Clive Owen, Garrett Ryan, Jason Clarke, Liana Liberatz, Nicole Forester, Noah Crawford, Noah Emmerich, Viola Davis
Duração: 105 min.

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