Home Diversos Crítica | Condição Artificial (Diários de um Robô-Assassino #2), de Martha Wells

Crítica | Condição Artificial (Diários de um Robô-Assassino #2), de Martha Wells

Desvendando o passado.

por Ritter Fan
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Alerta Vermelho, a primeira novela da série Diários de um Robõ-Assassino, da escritora americana Martha Wells, nos apresenta a uma das mais fascinantes inteligências artificiais da literatura, um androide antissocial feito de partes humanas clonadas e de alta tecnologia que atua como Unidade de Segurança, mas que, há algum tempo, secretamente hackeou seu Módulo de Controle para ter mais independência e para poder baixar as séries de TV que ele tanto gosta de assistir e que ele usa como uma maneira de não ter que interagir com os humanos que é programado para proteger. Depois de salvar “seus humanos” na primeira aventura e de encetar uma amizade hesitante principalmente com a Dra. Ayda Mensah, ele é levado de volta à companhia em que ela trabalha para poder ter a liberdade que tanto quer.

Mas liberdade significa fazer o que quiser, sem precisar dar satisfação a ninguém e, em Condição Artificial, segundo volume dos Diários, vemos Muderbot fazer justamente isso: o que quer. E, nessa linha, ele parte da relativa proteção da Dra. Mensah (já que androides em tese independentes são reputados como perigosos) para iniciar uma jornada de autoconhecimento com o objetivo primordial de entender exatamente o que aconteceu em seu passado, em que ele, pelo que ele se recorda, matou diversos humanos que deveria ter protegido em uma instalação mineradora distante e que o levou a se autodenominar depreciativamente de Murderbot, corruptela em inglês de Robô Assassino. Por ser seu apelido, esse aspecto de sua história pregressa já havia sido rapidamente levantado no primeiro livro, e, aqui, ela ganha desdobramentos interessantes que aumentam consideravelmente a escala da conspiração corporativa encabeçada pela empresa vilanesca GrayCris, responsável pelos desafios encontrados em Sistemas Críticos.

Apesar das boas histórias que a autora conta nesta série de ficção científica, o verdadeiro grande atrativo dela é seu protagonista. As nuanças do androide foram muito bem exploradas no volume inicial, tornando-o muito mais humano do que grande parte dos humanos e facilmente relacionável como alguém que faz seu trabalho por pura obrigação, mas o que quer mesmo é ficar em seu canto vendo suas séries, sem precisar interagir com mais ninguém, sejam outras inteligências artificiais, sejam humanos. Mas é claro que tudo o que ele não consegue é permanecer isolado, mesmo quando pega carona em uma enorme nave de pesquisa vazia, mas controlada por uma inteligência artificial embebida nos sistemas. E, com isso, Wells, que focou na relação de Muderbot com humanos em Sistemas Críticos, aborda, agora, a conexão dele com outra inteligência artificial, uma muito mais desenvolvida e complexa que ele próprio, mas que não tem “corpo” para além da nave que pilota e controla.

E A.R.T., como Murderbot apelida a I.A. e que é sigla para Asshole Research Transport ou, claro, “Transporte de Pesquisa Babaca”, em minha tradução, é tão fascinante quanto o protagonista. Primeiro curioso com a presença de Murderbot ali, a I.A. incorpórea procura estabelecer comunicação com o androide que aos poucos e a contragosto (logicamente) começa a se abrir, fazendo com que os dois passem a agir em conjunto com o objetivo de tornar mais fácil o cumprimento da autoimposta missão de Murderbot, o que inclui modificações físicas no androide para reduzir o risco de ele ser detectado como uma Unidade de Segurança e uma espécie de acompanhamento remoto e ajuda quando necessário a partir do começo efetivo da missão que começa a desvelar o passado misterioso do androide. É como uma parceria no melhor estilo buddy cop de filmes de ação, que ganha contornos sarcásticos e irônicos de Murderbot em razão na narração em primeira pessoa que, naturalmente, cria cumplicidade com o leitor em relação aos pensamentos do androide antissocial.

Os momentos de ação em si não são lá muito satisfatórios, pendendo para o genérico, com o passado de Murderbot vindo à tona, mas não completamente, o que abre espaço para continuação, claro. Mas tenho para mim que o mais importante é o desenvolvimento do protagonista, em sua aproximação cada vez maior com a humanidade, o que é evidente pelo seu desejo de saber se seu autoimposto apelido procede mesmo ou não, considerando a memória corrompida – ou apagada – de seus atos pretéritos. Há a inserção de outros humanos na história também, mais especificamente um grupo de trabalhadores da instalação minerador que Murderbot manobra de forma a facilitar sua entrada lá e que, claro, ele acaba tendo que ajudar, em uma repetição temática do primeiro livro. Além disso, Wells escreve de maneira cinematográfica, cada vez mais um padrão atual para tornar vendáveis as propriedades intelectuais para um mercado ávido por adaptações para satisfazer a continuada – ainda que arrefecida – Guerra do Streaming. E, claro, essa maneira de escrever facilita o consumo do livro que, também por essa razão, perde em profundidade mesmo que o objetivo da autora seja focar no Murderbot e não nos detalhes tecnológicos que povoam esse mundo futurista, por vezes fazendo uso de conveniências demais para fazer a história funcionar.

Mesmo com alguns senões, Condição Artificial é uma continuação muito divertida e prazerosa da série Os Diários de Murderbot que brilha mais quando a abordagem repousa na relação entre o protagonista e A.R.T. do que quando o androide arregaça virtualmente suas mangas para cumprir seu objetivo conhecer seu passado na instalação mineradora e, com isso, precisa ter relações cordiais e protetivas com outros humanos. Um capítulo intermediário que abre ainda mais esse universo e as possibilidades para o androide que só quer ficar quieto em seu canto vendo séries.

Condição Artificial (Artificial Condition – EUA, 2018)
Autoria: Martha Wells
Editora original: Tor.com
Data original de publicação: 08 de maio de 2018
Páginas: 160

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