Considerado como um dos fundadores do sub-gênero literário de “espada e magia”, Robert E. Howard criou, em 1932, o icônico e inesquecível bárbaro cimério Conan, além de todo um universo muito particular ao seu redor. Mas Conan não foi o começo de sua jornada por mundos estranhos em que os fios da espada e machado comandados por um guerreiro invencível era a última esperança contra vilões e criaturas variadas. Antes do personagem que faria sua carreira deslanchar, cravando o nome do autor nos anais da literatura pulp e da cultura pop, Howard criou Kull, bárbaro atlante que se torna rei do reino fictício de Valúsia e que veio ao mundo em agosto de 1929 no conto The Shadow Kingdom, publicado na revista americana de fantasia e horror Weird Tales, um dos grandes veículos de disseminação de obras desses gêneros.
Tamanha é a conexão de Conan com Kull, que A Fênix na Espada, o conto que nos apresentou a Conan, publicado na Weird Tales de dezembro de 1932, é, na verdade, uma espécie de “auto-plágio” de Howard, que escrevera a história By This Axe, I Rule! tendo Kull como protagonista e que ainda não havia sido publicada, o que o levou a decidir modificá-la não só introduzindo elementos novos de magia, como, também, substituindo Kull por Conan, personagem que acabara de criar e que, se compararmos um com o outro, notaremos que eles são – somente nesse início, claro – basicamente fungíveis.
Conan, mais conhecido como o Bárbaro, mas que, dentre outros, já foi alcunhado de o Cimério, o Cimério Bárbaro, o Destruidor, o Aventureiro, o Selvagem, o Usurpador, o Vingador, o Assassino, o Conquistador e que também brandiu uma “espada selvagem”, curiosamente começou sua carreira pelo fim, já como Conan, o Rei. É assim que ele é apresentado em seu conto inaugural: um homem de meia idade já sentado ao trono do reino fictício de Aquilônia, tendo que lidar com o dia-a-dia burocrático que cabe a uma autoridade máxima como ele. Ele sente falta de seu tempo de aventuras desde que abandonou a Ciméria, reino bem mais ao norte onde nasceu e é uma trama de traição e assassinato que o faz voltar à ativa aqui, em uma história simples e objetiva, mas que dá conta do recado de apresentar as linhas gerais do personagem que ganharia um sem-fim de outras histórias em outros contos de Howard, de terceiros, nos quadrinhos e, claro, no cinema.
Em curtos quatro capítulos, Howard intercala os planos de traição dos chamados Quatro Rebeldes, Volmana, Grome, Dion e Rinaldo, antes leais à Conan, que contratam os serviços de Ascalante para colocar as engrenagens em movimento sem saber que o próprio Ascalante tem ambições secretas ao trono de Aquilônia, com um pouco da vida de Conan como rei, primeiro lidando com seu reino a partir de seu trono e com a ironia de ter sido aclamado como governante ao retirar o rei anterior do trono e, hoje, ser detestado por muitos como um estrangeiro que não tem lugar ali. Além disso, vemos Conan recebendo a misteriosa visão do sábio Epemitreus, falecido há 1.500 anos e que é o responsável pela fênix do título, o que se opõe diretamente a Toth-Amon, escravo de Ascalante, mas que fora um mago poderoso em Stygia e que recobra seus poderes e também trata de agir por conta própria, mas usando um avatar monstruoso.
São muitos nomes, tanto de pessoas quanto de reinos e deuses – alguns retirados diretamente de mitologia conhecida, como a nórdica e a egípcia – que Howard mistura para criar seu próprio universo, por vezes parecido com o nosso e, por outras, completamente estranho. Sem provavelmente querer alongar-se, o autor toma alguns atalhos típicos da literatura pulp, especialmente no que toca Toth-Amon, que explica a Dion que seu poder vem de um anel que ele perdera há anos, somente para Dion abrir uma caixa e tirar de lá justamente o mesmo anel, que é seu talismã da sorte. É de revirar os olhos, mas faz parte do estilo da época para esse tipo de obra. Além disso, Howard experimenta aqui com um personagem novo que carrega uma rica história que é apenas resvalada no conto.
No quinto e último capítulo, o autor demonstra toda sua habilidade em descrever sequências de ação de extrema violência, algo que já vinha de seus contos com Kull. Mas a sensação de uma história episódica em razão do formato de publicação desaparece completamente nesse final, com as narrativas organicamente reunidas e abordadas por completo (e ainda deixando um leve cliffhanger em relação ao mago) e que funciona como o perfeito veículo de “exposição e venda” de Conan que, paramentado com meia armadura (nada da clássica tanguinha de pele), maneja a espada e o machado com extrema eficiência, derramando o sangue de todos os seus inimigos, sejam eles meros humanos, gigantes ou criaturas do além. Claro que, como um primeiro conto, o leitor estranhará a surpresa de Conan ao enfrentar um monstro sobrenatural, já que o personagem, como ele viria a ser conhecido, praticamente acabava com um deles por dia em sua vida antes de se tornar o rei, mas isso é um pequeno detalhe que em nada atrapalha a história.
A Fênix na Espada é, sob todos os aspectos, um belíssimo exemplar de literatura pulp que estabelece os pilares de sustentação para o vasto universo próprio que Howard desenvolveria para Conan, voltando no tempo para abordar sua vida pré-coroação, quando ainda jovem. A literatura de fantasia deve muito a Howard, que conseguiu fincar seu Conan muito profundamente no imaginário popular em apenas 33 despretensiosas páginas.
Obs: Elegi ilustrar a presente crítica com a imagem do Rei Conan que vemos brevemente ao final de Conan, o Bárbaro, estrelando Arnold Schwarzenegger, por ser esta a imagem que melhor representa o Conan que vemos no conto, inclusive na mesma posição, com o rosto apoiado no braço, usada por Howard quando ele nos apresenta ao personagem.
Conan, o Bárbaro: A Fênix na Espada (Conan, the Barbarian: The Phoenix on the Sword, EUA – 1932)
Autor: Robert E. Howard
Editora original: Rural Publishing Corporation (Weird Tales)
Datas de publicação: dezembro de 1932
Editora no Brasil: Pipoca e Nanquim
Data de publicação no Brasil: dezembro de 2017 (parte de Conan, o Bárbaro – Livro 1 – edição mais atual)
Tradução (edição da Pipoca e Nanquim): Alexandre Callari
Páginas: 33