Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | Comunidades Imaginadas, de Benedict Anderson

Crítica | Comunidades Imaginadas, de Benedict Anderson

Um livro que é uma aula sobre reflexões acerca das origens e da difusão do nacionalismo.

por Leonardo Campos
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Pense em um estádio de futebol no período da Copa do Mundo. E, quem está em jogo, é a seleção brasileira, como exemplo para a ilustração que esbocei. Todos no local torcem pelo sucesso do time ao longo da partida. Há uma multiplicidade de tipos na massa que engloba a torcida brasileira: homens e mulheres, crianças e adultos, negros, brancos, pardos e indígenas, moradores de bairros nobres e indivíduos que se deslocaram das regiões periféricas, todos com o intuito de vislumbrar a vitória da seleção. Salvaguardas as devidas proporções comparativas, os que integram este espaço, neste momento, estão inseridos no contexto daquilo que podemos entender por comunidade imaginada, isto é, figuras sociais de procedências e pertencimentos diferenciados ocupando o mesmo lugar, exalando instinto de nacionalidade. Este é o momento onde todos se dizem “brasileiros”, tomados por sentimentos e emoções que os unificam, mesmo que no bojo da realidade, sejam integrantes de existências distintas. Sempre que reflito sobre o conceito de “comunidade imaginada”, debatido pelo historiador Benedict Anderson, utilizo esta alegoria para negociar não apenas o meu entendimento sobre o assunto, mas a sua abordagem no diálogo com os interlocutores, seja nos textos ou nas dinâmicas em sala de aula.

Em Comunidades Imaginadas, o autor refuta ideias de historiadores renomados, tal como Eric Hobsbawn, para nos entregar um texto que explica as bases estruturais do nacionalismo, não oriundas do industrialismo europeu ocidental, como acreditava o nome antes mencionado. Para Benedict Anderson, a nação nada mais é que uma comunidade limitada, soberana e imaginária, encontrando os seus limites porque por mais que seja imensa, as suas fronteiras sempre serão finitas em algum momento, soberana porque pressupomos que lida sempre com pluralismos e imaginada porque mesmo que os seus integrantes não conheçam uns aos outros em sua totalidade, compartilham signos e símbolos comuns, o que os tornam parte de um espaço imaginário, o tal sentimento de pertença mencionado no parágrafo anterior, na alegoria sobre o futebol. O fato de ser “imaginada” não deve ser confundida com “falsidade”, ao contrário, neste processo de “invenção”, as comunidades em questão compartilham uma rede de parentesco, algo que os tornam integrantes de um extenso tecido composto por particularidades.

Originalmente lançado em 1983, Comunidades Imaginadas chegou ao Brasil apenas em 1989, tornando-se uma leitura influente em diversos espaços dentro e fora do academicismo. Por muito tempo foi um livro difícil de encontrar, o que tornou o seu acesso, numa era prévia aos compartilhamentos na internet, bastante complicado. Com a versão atualizada pela Companhia das Letras, uma edição cuidadosa em seus textos complementares, além da diagramação e impressão envolvente, este clássico moderno das Ciências Humanas ganhou mais aderência e se tornou uma promissora leitura para aqueles que melhor querem entender as questões sobre a nacionalidade. Para nós brasileiros, inclusive, é uma ótima opção para entender os rompantes de nacionalismo exacerbado que dominou a cena na década de 2010, uma era de extremos, crises na democracia e impactantes desdobramentos das posturas partidárias não apenas no bojo das notícias midiáticas, mas nas relações em redes sociais e nos seios familiares.

Ademais, em Comunidades Imaginadas, Benedict Anderson traz outras considerações sobre nacionalidade importantes para a compreensão geral de sua obra, ainda muito pertinente em debates não apenas no ambiente da sala de aula, mas também nas reflexões sobre política e sociedade. Museus, censos e mapas, por exemplo, ajudaram na construção desta concepção de comunidades imaginárias com integrantes a compartilhar este sentimento de pertença. Entre a exaltação da memória e os riscos do esquecimento, o autor tece considerações sobre nação, um conceito socialmente construído, imaginado por pessoas que percebem a si próprias como partes de um todo, sendo esta conceituação um fenômeno da Modernidade, propícia para a criação de um discurso comum, isolado e compartilhado, por sua vez, em diferenciados agrupamentos geográficos. Entre as mudanças culturais de um mundo que explicava as coisas por meio da religiosidade nos séculos anteriores para a efervescência dos Estados Nacionais na época da Segunda Grande Guerra Mundial, o nacionalismo se transformou ao redor do planeta e, por meio da cultura, especialmente das línguas, ganhou outras formas de se manifestar.

Importante contribuição não apenas para historiadores, Comunidades Imaginadas é um livro relativamente complexo, mas que pode ser acessado por todo tipo de público leitor.

Comunidades Imaginadas (Imagined Communities/Estados Unidos, 1983)
Autoria: Benedict Anderson
Tradução: Denise Bottman
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 330

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