- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
James Gunn, James Gunn… se vai ser com essa preguiça que você pretende construir seu filme do Superman, eu temo pela versão 2.0 do Universo Cinematográfico DC. Se os dois primeiros episódios de Comando das Criaturas foram no máximo mornos, Viva o Homem de Lata não faz absolutamente nada para mudar essa impressão. Ao contrário até, ele consegue esfriar a narrativa ao fazer um uso chinfrim do artifício do flashback, algo que foi bem usado para contar a origem da Noiva de Frankenstein e ao transformar as sequências de ação em quaisquer coisas assim genéricas e sem graça, basicamente a sanguinolência pela sanguinolência sem nada efetivamente apetitoso para acompanhar.
E não me levem a mal. Eu sou o primeiro a afirmar que o Robô Recruta e sua obsessão em matar nazistas faz dele, por si só, um personagem que me chamou a atenção e que ver o icônico Sargento Rock (Maury Sterling), os demais membros da Companhia Easy e também Will Magnus (Alan Tudyk), criador dos Homens Metálicos nos quadrinhos, além do Robô Recruta trucidando neonazistas (um deles Sam Fitzgibbon, com voz de Michael Rooker), foram momentos prazerosos, mas o episódio como parte de uma série e também como exemplo de como se utilizar de flashback foi muito aquém do que deveria ter sido, um verdadeiro retrocesso narrativo. Não falo nem do impulsionamento da história principal em si, vejam bem, já que isso não havia acontecido antes e não acontece aqui mais uma vez, mas sim pelas sequências no passado mesmo.
Flashbacks, na maior parte das vezes, serve para dar estofo a personagens que já foram desenvolvidos em uma obra. O Robô Recruta não havia tido desenvolvimento algum anteriormente, sendo apenas mais um “personagem colorido” em meio a uma equipe em tese não humana formada por Amanda Waller e comandada por Rick Flag Sr. que imediatamente deixou claro que tudo o que ele quer fazer é matar nazistas, mais nada. Portanto, o espectador não estava ainda investido o suficiente no personagem para que flashbacks fossem realmente necessários. No caso da Noiva, ela basicamente protagonizou o primeiro episódio a partir do ponto em que a equipe apareceu formada e serviu como ponto focal do segundo, ganhando então seu contexto, o que me leva, aliás, ao segundo problema, justamente o contexto.
Não é difícil concluir que contexto é a razão de ser de flashbacks. Olhem o que o próprio Gunn fez com a Noiva, a ponto de eu ter mencionado em minha crítica anterior que o problema do episódio havia sido o quão rapidamente o passado dela foi trabalhado. Aqui acontece o contrário. O Robô Recruta ganha uma longa e detalhada origem que, porém, é completamente vazia de contexto. Ele aparece já membro da Companhia Easy durante sua primeira missão e… mata nazistas. Passam 20 anos e ele vira basicamente atração de circo. Depois ele é estudado por Magnus. Em seguida, nos anos 90, ele é acordado por um colecionador que, por acaso, é um maluco neonazista que o leva a uma reunião com seus amigos malucos e o Robô Recruta mata neonazistas. Ele é preso e condenado. Volta para o presente e o Robô Recruta mata pessoas que Rick diz para ele que são nazistas e é explodido por Circe. Isso é realmente tudo que Gunn conseguiu imaginar para o personagem? O que isso acrescenta ao que já sabíamos dele? Como isso o desenvolve para além daquilo que já aprendemos no avião no começo do episódio inaugural?
E o que falar da forma como Gunn enxerta os flashbacks? Como não tem contexto como o trauma da noiva criou, o roteiro preguiçoso apenas para a cena e leva o espectador ao passado sem que haja qualquer tipo de construção, uma nesga sequer de lógica interna que leva o Robô Recruta a lembrar de sua vida pregressa. Se é para fazer isso, teria sido bem melhor escrever uma série composta de episódios de origem de personagens contadas cronologicamente, sem o enquadramento de flashback. O que vemos é um anti-roteiro, algo escrito de qualquer jeito para chamar a atenção de desavisados para sequências de violência extrema que existem porque sim ou, se eu quiser ser venenoso, porque Gunn raramente consegue fazer algo diferente disso.
Viva o Homem de Lata desperdiça boas pontas de personagens importantes na mitologia da DC, estraga um pouco o Robô Recruta, não faz absolutamente nada pela história e, ainda por cima, é uma aula de como não empregar flashbacks. Bem, talvez esse último ponto seja um aspecto positivo, dependendo do ponto de vista. O que Gunn pretende fazer agora? Mais histórias de origem? Ou será que ele vai finalmente levar a trama a um ponto que pareça que ele realmente pensou no que estava escrevendo?
Comando das Criaturas – 1X03: Viva o Homem de Lata (Creature Commandos – 1X03: Cheers to the Tin Man – EUA, 12 de dezembro de 2024)
Desenvolvimento: James Gunn
Direção: Matt Peters
Roteiro: James Gunn
Elenco (vozes originais): Frank Grillo, Indira Varma, Sean Gunn, Alan Tudyk, Zoë Chao, David Harbour, Maria Bakalova, Anya Chalotra, Michael Rooker, Maury Sterling
Duração: 22 min. (cada episódio)