“Eu sabia que você tinha um segredo. Quando você era pequeno, você era tão despreocupado. Mas nesses últimos anos, mais e mais, parecia que eu podia sentir você segurando o seu fôlego.”
Quanta coisa mudou no meio adolescente dos anos 80 para os dias de hoje? O cinema “adolescente” definitivamente não é o mesmo. Com Amor, Simon é cinema adolescente com cara de anos 80, mas transportado para o século XXI; espirituoso, engraçado e jovial, porém movido por novas pautas. Simon (Nick Robinson) se apaixona por uma pessoa na internet sem saber quem ela é realmente, mesmo conhecendo-a no intrínseco da questão, seus segredos e seus desejos, entendendo-a acima de tudo. Simon também guarda um segredo, como todos nós guardamos. O dele, contudo, o priva de ser quem ele é e isso o corrói. O diálogo mais acertado de toda a história, que serve como uma conciliação do passado de Simon com o seu presente, conta com a presença de Jennifer Garner, interpretando a mãe do protagonista, em uma cena que exala a necessidade de sermos livres. A interpretação de Robinson, embora carismático no papel, não conta com todo aquele espírito livre de sua infância descrito pela mãe. Simon é um menino contido, muitas vezes cabisbaixo. Estamos falando de um garoto recluso, de uma tristeza que existe nessa disformidade entre quem ele era e quem ele se tornou.
Na utopia de Com Amor, Simon, abraçar quem nós somos, revelar nossas verdadeiras identidades para o mundo, nos brinda com aplausos de dezenas de pessoas. O sentimentalismo e a recompensa são exageradas, mas o realismo que vem não surge da ficção ser um retrato da realidade, mas da ficção tratar a ficção com plausibilidade, autenticidade, e acabar sendo catártico pela sua própria natureza ficcional, muito idealista, mas reconfortante. É um mundo diferente, cheio de amigos para estar ao seu lado quando você precisa, com pais que, apesar de errarem devido a uma ignorância, são compreensíveis quando seus filhos necessitam que eles sejam, além de mensageiros anônimos revelarem-se como sendo pessoas sensacionais. É engraçado que o diretor da obra seja Greg Berlanti, cineasta envolvido em diversas séries de televisão adolescentes envolvendo super-heróis, além de roteirista de algumas bobagens, como Lanterna Verde. Dessa vez, o trabalho de direção é surpreendente, cheio de dinamicidade. Não há nada tão jovem quanto esse filme, ao menos que estejamos falando de Bruno de Luca no slackline. Mas nem John Hughes acertou todas, não é mesmo? Gatinhas e Gatões é uma grandiosíssima bobagem, no final das contas.
Sendo assim, podemos estar diante de um novo passo na carreira desse profissional. Comparando, uma diferença notável de Com Amor, Simon para a filmografia de John Hughes é que os adultos, aqui, não são os vilões. O antagonista dessa história é Martin Addison (Logan Miller), um chantagista inescrupuloso, interessado em ter a garota dos seus sonhos custe o que custar. Infelizmente, os roteiristas escorregam feio no que se refere a tal personagem, tendendo a um terceiro ato extremamente previsível no que tange a sua participação – não há muitas surpresas na revelação de quem é o mensageiro anônimo, mas a brincadeira de dedução é, ao menos, instigante. Martin é uma figura moralmente questionável em diversos níveis, mas o filme acaba parecendo que vai desconstruir o lado vilanesco do personagem e mostrar outras características do personagem, que o simpatizariam em relação ao público. A obra indiscutivelmente vai para caminhos mais fáceis, mas o pior é ela tentar dar uma redenção para o personagem de maneira completamente desonesta, como recurso puramente narrativo, sem qualquer ligação emocional com o espectador, que, no final das contas, rejeita Martin como todos os outros.
Um dos maiores problemas do filme, criando uma contradição enorme e problemática na mensagem a ser estabelecida, é a sequência musical, que acontece em um pensamento de Simon. O garoto, ao final da excêntrica cantoria, diz que aquela realidade toda seria “gay demais” para ele. De fato, Simon não gostar daquilo é uma quebra de clichês, o que o dá características diferentes das existentes em um senso retrógrado. Mas o estabelecimento do “ser gay demais” é hostil a um mundo sem tais barreiras. A questão é que essa frase estabelece rótulos completamente desnecessários. O musical, cheio de cores e coreografias, não é gay demais para Simon, apenas não faz parte do seu gosto. Sem essa única frase e outros equívocos que nunca são contra-argumentados verdadeiramente, como o “como se vestir como um gay“, talvez trocada por alguma ironia mais refinada, teríamos a destituição de padrões. Com essa única frase, Simon não apenas se estabelece como não tão gay, como se existisse tal coisa de mais gay e menos gay, como contraria o seu filme e o mundo pelo qual o século XXI tende a ser, sem preconceitos em relação as formas de amor e aos modos comportamentais, que não precisam se encaixar dentro de qualquer norma.
Outrossim, dando adendo a possibilidade da ironia nessa situação, a obra contém cenas com um humor, digamos, subversivo, como a fantasia que seria se seus amigos tivessem de revelar que são héteros para seus pais. Se não é mistério algum ser hétero, por que deveria ser mistério ser homossexual? Uma pena momentos cheios de potencial terem de ser intercalados com esses graves equívocos, alguns sendo transportados do material fonte, o livro Simon Contra a Agenda Homo Sapiens. Por outro lado, esta adaptação cinematográfica acerta em outras questões realmente importantes, introduzindo diálogos que favorecem o entendimento do protagonista por quem ele é, o que ele passou e está passando, assim seja para ele quanto para quem quer que esteja assistindo ao filme e se identifique com a situação, com o medo de expor o seu verdadeiro eu. Mas verdade seja dita, nada realmente sério surge após a revelação da orientação do personagem. Contudo, o longa-metragem tem um interesse mais introspectivo da situação, abordando a crise interna de Simon por ele ser “diferente”. O próprio relacionamento virtual do garoto é excepcionalmente bem amarrado com esse dilema.
Aliás, ao lado disso, ou melhor, acima disso, eis que temos uma mera história de amor, com um garoto tentando encontrar a pessoa secreta que encantou seu coração e que entende a dor de se guardar segredos que os privam de ser quem eles realmente são. Uma relação movida, principalmente, em identificação, algo não difícil de se ver em romances comuns. A ideia, realmente necessária de ser afirmada nos dias de hoje, em uma metamorfose positiva para o respeito e aceitação universal, é de que está tudo bem você ouvir uma música “diferente”, vestir roupas “diferentes” ou beijar bocas “diferentes”. Crescemos ouvindo a frase que ser diferente é bom, mas a realidade é que as pessoas não estão interessadas em destruir de vez suas zonas de conforto egocêntricas. As diferenças são aceitáveis, quando elas são escondidas do mundo, quando elas são apenas suas e não ousam quebrar com padrões. “Se for para ser gay, que seja gay longe de mim” não é uma frase difícil de ser ouvida. Com Amor, Simon, mesmo cambaleando nisso, quer que as pessoas, tanto as distantes quanto as próximas de nós, sejam quem elas são, independentemente de quem elas sejam, contanto que elas não firam ninguém. É tão “simples” quanto necessário.
Com Amor, Simon (Love, Simon) – EUA, 2018
Direção: Greg Berlanti
Roteiro: Isaac Aptaker, Elizabeth Berger
Elenco: Nick Robinson, Bryson Pitts, Nye Reynolds, Josh Duhamel, Jennifer Garner, Katherine Langford, Alexandra Shipp, Jorge Lendeborg Jr., Keiynan Lonsdale, Miles Heizer, Logan Miller, Thalita Bateman, Skye Mowbray, Tony Hale, Natasha Rothwell, Drew Starkey, Joey Pollari, Mackenzie Lintz
Duração: 110 min.