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Crítica | Código Preto (2025)

Amor acima do Estado.

por Kevin Rick
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Apenas algumas semanas depois do final da primeira temporada do excelente A Agência (2024), Michael Fassbender retorna a uma obra de espionagem com Código Preto, mais uma produção que se distancia dos Bonds e das Missões Impossíveis que tomaram conta do gênero, principalmente nas telonas. O ator interpreta George Woodhouse, um agente frio, meticuloso e focado que recebe a missão de investigar o vazamento de um programa de software ultrassecreto de codinome Severus, que, claro, tem relação com armas nucleares. O inimigo não apenas está dentro da agência, como também é alguém do alto escalão com informações confidenciais. Dentre os suspeitos, temos três agentes chamados Freddie Smalls (Tom Burke), Clarissa Dubose (Marisa Abela) e James Stokes (Regé-Jean Page), além da psiquiatra da agência, Dra. Zoe Vaughan (Naomie Harris), e, para adicionar um tempero, a própria esposa do protagonista, Kathryn St. Jean (Cate Blanchett), que é uma das líderes da organização ao lado de Arthur Stieglitz (Pierce Brosnan, o próprio 007, em um aceno bacana do filme). Como primeiro passo em sua investigação, George faz algo inusitado: chama todo mundo para um jantar extremamente desconfortável.

Vou tentar evitar spoilers escandalosos para não atrapalhar a experiência de quem ainda não conferiu a obra, mas até que não é difícil se desviar das revelações da trama, já que o cineasta Steven Soderbergh e o roteirista David Koepp parecem mais interessados nos indivíduos do que no terrorismo. A cena inicial do jantar dita o tom do restante da narrativa, com um thriller de espiões vs espiões que se suporta mais nos relacionamentos dos personagens principais do que necessariamente na premissa de um ataque nuclear. Temas como fidelidade e lealdade ganham espaço em um drama com contornos morais em torno de profissionais, em tese, amorais, sendo que uma boa porção da história ocorre em cenários domésticos ou em salas fechadas. O inimigo que toma posse do dispositivo perigoso quase não tem importância na trama, o que pode até ser argumentado como uma crítica negativa, mas que faz sentido dentro da proposta criativa do filme, mais interessado nas complexidades desses personagens, na forma como reagirão a determinadas situações de confiança e desconfiança, e em como a investigação se torna um estudo íntimo de personalidades.

Isso não quer dizer, claro, que a obra não tem algum tipo de impulso. Soderbergh cria uma espécie de Sr. & Sra. Smith sóbrio, que resgata filmes de espionagem mais realistas, mas adicionando modernidades tecnológicas como drones, vigilância por satélite e programas avançados de leitura labial que acrescentam um sabor atual para o seu tipo de abordagem sofisticada para o gênero, com aquele tipo de encaminhamento mais tenso do que intenso (além de muito sexy, no flerte que o longa faz com dramas românticos). Saíssem os tiros e os stunts para dar palco a uma ação verbal; um jogo de xadrez com diálogos afiados – por vezes cômicos, na camada de humor ácido do texto – dentro da própria agência, que se beneficia de um cineasta eclético e confortável em seu elemento, explorando mudanças de foco e construção de perigo em locais confinados. É interessante como o diretor consegue tornar momentos prosaicos em situações de urgência, seja um jantar, uma pescaria ou uma sessão de terapia, sendo acompanhado por uma fotografia acinzentada e dessaturada, uma iluminação opaca e uma deliciosa trilha sonora jazzística que dão base para a intricada e muito bem pensada ambientação da obra.

Infelizmente, a abordagem extremamente formal e o roteiro pesado nos diálogos acabam mostrando fragilidades na reta final do filme. Koepp tem bastante dificuldade na resolução da trama e na construção de determinados twists, o que acaba resultando em um desfecho expositivo, com revelações bem convencionais e inorgânicas que tiram o peso do cuidado técnico, do delicioso estilo da produção e da intriga desenvolvida ao longo da história. Para o tanto que a obra é sofisticada, falta inteligência e malícia por trás de um roteiro que se sustenta em planos e sobreplanos que acabam tornando a segunda metade da obra um tanto derivativa e pouco sutil – imaginem aquelas histórias de mistério que prometem mundos e fundos, mas acabam não conseguindo entregar uma recompensa satisfatória. A falta de um clímax (não de ação, mas de tensão) também é sentido, principalmente pela forma como a estrutura narrativa adota uma abordagem de saídas fáceis para George resolver sua investigação sem muitos soluços, incluindo um longo e tedioso discurso explicando cada detalhe da traição.

É uma pena que Código Preto acabe ficando aquém dos seus conceitos e do seu trabalho técnico primoroso, mas é inegável que a experiência é muito charmosa. Soderbergh tece um thriller de espionagem que desafia a sua audiência a entrar dentro da sobriedade e da dilatação da história sem precisar ser agarrada por histrionismos e explosões, construindo intriga e tensão com elementos enganosamente simples, além de um subtexto sensual e provocante sobre relacionamentos românticos com personagens complexos e caóticos (todos muito bem atuados, vale ressaltar, apesar de Brosnan ser desperdiçado). É uma pena que o texto de Koepp, inicialmente muito engajante, acabe sucumbindo para suas próprias reviravoltas e desvios narrativos, culminando em um desfecho que não faz jus à proposta perspicaz e enigmática da obra.

Código Preto (Black Bag) — EUA, 2025
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: David Koepp
Elenco: Cate Blanchett, Michael Fassbender, Marisa Abela, Tom Burke, Naomie Harris, Regé-Jean Page, Pierce Brosnan
Duração: 94 min.

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