Em meados anos 80, a AIDS havia se tornado uma epidemia mortal. E em meio a uma sociedade ignorante e mal informada, a doença era ligada como pertencente apenas ao grupo de homossexuais e viciados em drogas ilícitas. E para Ron Woodroof (Matthew McCounaghey), um heterossexual texano residente do Texas, tal “exclusividade” da doença lhe permite a liberdade de transar irresponsavelmente com o maior número de mulheres possível, até o dia em que, para sua surpresa, acaba sendo diagnosticado como portador do HIV. Ao descobrir a realidade renegada dos portadores do vírus, Ron, com o auxílio do travesti Rayon (Jared Leto) cruza a fronteira de sua cidade e dá início a um negócio de vendas de drogas consideradas ilegais em seu país, mas que parecem ajudar no tratamento das pessoas portadoras do vírus, uma vez que os hospitais ainda não descobriram o tratamento adequado para conter o vírus.
Dirigido por Jean-Marc Vallée (de C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor e A Jovem Rainha Vitória) e roteirizado por Craig Borten e Melissa Wallack, Clube de Compras Dallas surgiu como uma das surpresas que, em geral, recebem seu merecido destaque apenas durante a época de premiações, ou mais especificamente, quando surgem os indicados ao Oscar. Há muito que vinha se comentando sobre o processo de transformação de McCounaghey e Leto para interpretarem seus papéis, onde ambos emagreceram diversos quilos para se adequarem as exigências físicas de seus personagens.
E Clube de Compras Dallas é, de certa forma, uma espécie de filme-propaganda para a imagem dos dois atores: não é de hoje que McCounaghey, antes um rosto pouco destacado pela crítica, tem recebido diversos elogios por suas interpretações visivelmente mais maduras e ambiciosas, tais como as vistas em O Poder e a Lei, Killer Joe – Matador de Aluguel e Possessão. E Leto, apesar dos anos em que esteve fora das telas, retorna trazendo consigo um nível razoável de polêmica sobre sua surpreendente transformação para a caracterização travestida de seu personagem.meados do
Tais objetivos nada modestos poderiam ter chegado a resultados desastrosos, se ambos os atores não estivessem em momentos tão inspirados de suas carreiras, e indubitavelmente, se tornam a alma e o corpo de Clube de Compras Dallas. McCounaghey surpreende, principalmente, pela entrega física ao papel de Ron Woodroof, mas também exibe um envolvimento emocional com o papel digno de um grande ator. De início, Woodroof nos causa repulsa por seus atos irresponsáveis e preconceituosos, tal como deve ser, com McCounaghey injetando um grande nível de intensidade em sua performance. E conforme a transformação de Woodroof ocorre e suas idealizações começam a tomar novas formas, o ator é hábil ao transitar do visceral para o sensível de maneira extremamente orgânica, trazendo verossimilhança a nova personalidade que se forma em Woodroof. Leto, que também impressiona por sua entrega física, não fica atrás e surge irreconhecível como o travesti Rayon, apostando em trejeitos e expressões que trazem um certo humor para sua figura, mas também denunciam o sofrimento que rodeia, aflorando na tela uma auto-confiança poucas vezes vista.
Apesar da excepcionalidade indispensável do trabalho destes dois atores (sem o qual o longa poderia, facilmente, ter se tornado pouco destacável), Clube de Compras Dallas ainda carrega seus méritos próprios. Embora Jean-Marc Vallée jamais se desprenda do tom de filme-denúncia da obra (o que lhe traz certa redundância) e o roteiro apresente certas repetições que acabam por ressaltar tal redundância, o diretor obtêm êxito ao trazer um certo tom de leveza e humor ácido para sua narrativa, evitando assim o melodrama que, tantas vezes, acaba por atingir produções semelhantes, trazendo assim um bem-vindo contraponto a realidade cruel daqueles que se encontravam contaminados pelo vírus HIV. E apesar de se estender para além do que precisava, o roteiro também é eficiente na construção/desconstrução da personalidade de Ron Woodroof, transformando-o numa figura extremamente complexa e, surpreendentemente, de fácil conexão com o espectador. Afinal de contas, nós somos ou já fomos alguém como Woodroof, uma pessoa de julgamentos precipitados sobre sua própria realidade e sobre as pessoas que fazem parte dela.
Apesar de suas já comentadas obviedades (como a crítica às denuncias farmacêuticas e seus interesses monetários), Clube de Compras Dallas é um filme digno sobre um tema ainda atual, e que merece ser descoberto. As grandes interpretações de McCounaghey e Leto (prováveis vencedores da já próxima 86° edição do Oscar) já fazem valer a conferida, mas felizmente, o filme carrega suas próprias qualidades que lhe trazem um algo a mais.
Clube de Compras Dallas (Dallas Buyer Club, EUA, 2013)
Roteiro: Craig Borten e Melissa Wallack
Direção: Jean-Marc Vallée
Elenco: Matthew McCounaghey, Jared Leto, Jennifer Garner, Steve Zahn, Denis O’Hare, Griffin Dune
Duração: 117 min.