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Crítica | Clube da Luta para Meninas

O besteirol das passivonas.

por Felipe Oliveira
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Após uma estreia com uma comédia intimista e sufocante com Shiva Baby, a diretora Emma Seligman retoma sua parceria com Rachel Sennott, agora mirando o humor para um nicho ostentado na virada da década de 90 para os anos 2000: a comédia do besteirol americano. Embora os filmes paródias também acompanhassem essa cena, a tendência tinha como pontapé o coming of age regado com um erotismo caricato sobre a perda da virgindade. Nessa esteira, tinha-se American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível na popularidade inspirando derivados que se estenderam até As Aventuras de um Virgem, em 2010. Ao trazer esse subgênero para Bottoms, não significa que Seligman quer ser nostálgica, mas sim, propor uma perspectiva pouco abordada nesse segmento: o protagonismo feminino e queer.

A saga de American Pie quis por três filmes – depois da quadrilogia principal – manter um legado que apontava para seu personagem masculino de maior referencial, Stifler, isso até 2020 surgir o intitulado Girl’s Rules; a tentativa de lançar “uma versão com garotas protagonistas” da franquia que mais erotizava e subjetificava mulheres em um universo pensado para homens. Mesmo que o roteiro escrito por Sennott e Seligman não pretendesse “ser uma resposta” a esse nicho, naturalmente, Bottoms oferece essa reflexão ao apresentar uma sátira escrachada a um subgênero concebido para homens sem criar “sua versão feminina de American Pie” sendo um besteirol feito por mulheres, estrelado por mulheres e pensado para mulheres.

O que a dupla de roteiristas imprime aqui é uma sátira quase paródica dos clichês que inundavam os besteiróis de comédia colegial na década de 90 misturado ao buzz do subgênero erótico, porém, insere também uma base feminista autoconsciente e escrachada que faz Bottoms ser um mix de Garotas Malvadas com Atração Mortal, a irmandade empoderada de Glow e a bola de neve de A Mentira para a nova geração. Nesse sentido, o texto de Sennott e Seligman pega a acidez única que Tina Fey trouxe a Mean Girls com a energia violenta e tóxica que fervia em Heathers e joga isso para uma versão independente, uma visão soft contra a apelação pornográfica e cisheteronormativa que se popularizou com os filmes problemáticos de John Hughes até chegar em American Pie

Entre erros e acertos, a grande glória de Clube da Luta para Meninas é trazer um inversão a esse arquétipo sem parecer gratuito partindo de uma premissa simples: duas amigas lésbicas, Pj (Sennott) e Josie (Ayo Edebiri) que no último ano do colegial abraçam todas as situações constrangedoras possíveis para deixar de serem vistas como perdedoras e finalmente dar uns amassos nas paixonites, inclusive, criar um clube de luta para facilitar a pegação. Ao propor isso, o roteiro tira figuras marginalizadas e sexualizadas e a colocam no centro, enquanto ridiculariza o estereótipo do homem cis hétero que o cinema americano tanto reproduz. De alguma forma, Bottoms emana muito as boas intenções dessa sátira que se inspira também em Nunca Fui Santa, contraponto da safra de comédias românticas adolescentes ácidas, porém, é como se todas as sacadas pensadas por Seligman e Sennott não encontrassem o tom. 

É ótimo ter um universo protagonizado por mulheres queers onde vai abraçando várias notas absurdas com que o humor ácido e descabido permite, e Bottoms faz disso um jogo sem limites, seja ao subverter o estereótipo de líderes de torcidas ou tornar a figura de macho atleta que é referência no time de futebol americano na escola afeminada. Contudo, enquanto o filme faz o ridículo com os clichês que permeiam a comédia teen americana, Seligman não deixa de usar a mesma estrutura convencional de conflitos e melodrama que acompanham o nicho, levando a abordagem caótica de sua direção para um lugar comum que não parece acompanhar o raciocínio fugaz que imprimia na narrativa.

A cabo, Bottoms remete a vários outros títulos por mesclar muitos estilos que vão desde a comédia romântica a um coming of age independente com ares de besteirol sem querer atender a cultura pop; e mesmo depois de ficar claro que não pretendia se levar a sério e só ridicularizar o máximo os filmes do gênero – como na cena em que as garotas bolam um trote e não consegue executar – todas essas impressões e referências não conseguem entrar em acordo, o que compromete o ritmo e time para piadas – a exemplo do uso repetitivo da gag com a bomba que nunca explode no momento certo e tenta fazer disso uma quebra inesperada. Na esteira de filmes do gênero chick flick que vem surgindo, Clube da Luta para Meninas conspira o que mais se teve de transgressor para o nicho e oferece um mix referencial, mas não uma comédia imperdível. 

Clube da Luta para Meninas (Bottoms – EUA, 2023)
Direção: Emma Seligman
Roteiro: Emma Seligman, Rachel Sennott
Elenco: Rachel Sennott, Ayo Edebiri, Ruby Cruz, Havana Rose Liu, Kaia Gerber, Nicholas Galitzine, Miles Fowler, Marshawn Lynch, Dagmara Dominczyk, Punkie Johnson, Zamani Wilder, Summer Joy Campbell, Virginia Tucker, Wayne Pére
Duração: 91 min.

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