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Crítica | Cirurgias Proibidas do Hediondo Dr. Divinus

Fazendo esforço demais para ser subversivo.

por Ritter Fan
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Apesar de produzir poucas coisas, talvez porque seu estilo não seja apreciado em Hollywood ou talvez porque ele não tem cara de ser alguém que joga o jogo dos estúdios, S. Craig Zahler é inegavelmente um artista que não quer de jeito algum ficar confinado em um tipo de obra apenas. Ele começou como músico, tornou-se diretor de fotografia, depois autor de romances, depois roteirista e, finalmente, diretor, já tendo colocado nas telonas três ótimos filmes, Rastro de Maldade, Confronto no Pavilhão 99 e Justiça Brutal. Entre uma coisa e outra, ele começou a escrever e a desenhar quadrinhos, começando em 2020 com a obra objeto da presente crítica e, em 2022, publicando Organismos de um Cosmo Antigo.

A arte é um processo evolutivo, ainda que alguns artistas tenham o privilégio de já começar acertando de cara. Zahler mesmo, em termos de longa-metragem escrito e dirigido por ele, começou já mostrando imensa categoria e domínio com Rastro de Maldade. No entanto, nos quadrinhos não foi assim. Enquanto Organismos de um Cosmo Antigo é inegavelmente uma obra mais madura, ambiciosa e interessante, Cirurgias Proibidas do Hediondo Dr. Divinus (minha tradução, já que não houve publicação por aqui de nenhuma de suas obras em quadrinhos) é um começo, quase um rascunho ou, talvez melhor classificando, um experimento para o próprio autor aprender como fazer ou não fazer uma graphic novel. Como disse, trata-se de um processo evolutivo, de constante aprendizado e não é que sua estreia nos quadrinhos tenha sido horrível, pois definitivamente não foi, mas sim um sólido primeiro passo que naturalmente fica defendo muita coisa.

A premissa gira ao redor de cirurgias estranhas feitas por um cirurgião misterioso em pessoas que seu capanga com habilidades bizarras sequestra, como é o caso do morador de rua logo nas primeiras páginas que estabelecem o tom macabro da narrativa. O foco da história é no sequestro de uma mulher em coma no hospital que é frustrado pela presença quase que sem querer de um de seus irmãos, um mafioso local. Começa, então, uma série de investigações ilegais por parte desse irmão que acontecem em paralelo com as do outro irmão, este um policial ético e de moral ilibada. Desnecessário dizer que os dois se detestam justamente por estarem em polos opostos da lei. Na medida em que a história no presente se desenrola, Zahler abre espaço para lidar com a figura misteriosa do Dr. Divinus por meio de flashbacks.

Apesar da tentativa de chocar pelo uso de uma premissa bizarra e uma arte consideravelmente explícita, a grande verdade é que o autor faz força demais para causar esse efeito no espectador e se esquece de criar uma narrativa que engaje de verdade. Diria até que os detalhes da premissa, ou seja, capanga silencioso que trabalha para um homem que fica nas sombras e irmãos que são exatos opostos em tudo parecem-me um tanto quanto preguiçosos, ainda que eu não advogue, aqui, por originalidade, já que isso, na verdade não existe em seu estado puro. O que eu queria ver era mais naturalidade e mais ritmo na HQ e não um contorcionismo grande de Zahler para inserir o máximo de coisas estranhas e pretensamente subversivas apenas para mostrar o quanto ele consegue ser violento e doentio.

A arte em si também fica alguns passos atrás de sua graphic novel posterior. Não falo, aqui, de seu estilo, pois seus traços são mesmo simples, mas sempre eficientes em traduzir visualmente o que ele quer contar. Meu ponto é que a progressão de quadros, aqui, é burocrática, um tanto quanto sem vida e refestelando-se naqueles momentos de choque que justamente por serem artificiais demais, quase não alcançam esse efeito a não ser, talvez, em pessoas mais sensíveis ou menos afeitas a esse tipo de obra de cunho transgressor (caso em que nem sei porque elas teria aberto a HQ, considerando o título explícito e a arte da capa sugestiva).

Mesmo assim, Cirurgias Proibidas do Hediondo Dr. Divinus diverte justamente por ser muito claramente um esboço de algo que, com mais cuidado, poderia chegar a justificar seu título e ao que Zahler já colocou nas telonas. Mas é um primeiro passo e, como primeiro passo em uma nova arte, está mais do que bom, especialmente por que o autor mostrou que, já em sua tentativa seguinte, aprendeu com seus erros e criou algo de real valor para a Nona Arte.

Cirurgias Proibidas do Hediondo Dr. Divinus (Forbidden Surgeries of the Hideous Dr. Divinus – EUA, 2020)
Roteiro: S. Craig Zahler
Arte: S. Craig Zahler
Editora: Floating World Comics
Data de publicação: dezembro de 2020
Páginas: 104

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