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Crítica | Cinema Purgatório por Alan Moore (This is Sinerama)

Um purgatório que não dá vontade de sair.

por Ritter Fan
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Cinema Purgatório foi uma publicação em quadrinhos da Avatar Press lançada em 18 edições entre fevereiro de 2016 e abril de 2019 que tinha como principal característica a curadoria de ninguém menos do que Alan Moore para as diversas histórias serializadas ao longo das edições por diversos roteiristas e artistas, como Kieron Gillen e Ignacio Calero, Garth Ennis e Raulo Caceres, Christos Gage e Gabriel Andrade, Max Brooks e Michael DiPascale, além do próprio Moore ao lado do saudoso Kevin O’Neill, seu parceiro de longa data em A Liga Extraordinária, que faleceu em 2022. Cada capítulo de cada história ocupava poucas páginas de cada edição, continuando na próxima e assim por diante, com arte invariavelmente em preto e branco, com exceção das capas que continham elementos em cores.

O objeto da presente crítica é tão somente a história completa escrita por Moore e desenhada por O’Neill que dá o título da publicação e que, no compilado específico que saiu em 2021, nos EUA, ganhou o subtítulo intraduzível This is Sinerama, um trocadilho de “sin” (pecado em inglês) com o longa This is Cinerama, de 1952, por sua vez também uma compilação de filmes produzidos para divulgar o “formato” ultra-widescreen batizado como Cinerama. No Brasil, a HQ completa foi publicada em apenas seis edições e o compilado de Moore/O’Neill saiu em 2022, com o título em português que usei na presente crítica.

Feitos esses esclarecimentos essenciais iniciais, vamos aos comentários que precisam começar com a estrutura escolhida que é inegavelmente o estilo ousado, complexo e até hermético de Alan Moore: ele mantém sua narradora sem nome e sem rosto em uma sala de cinema clássica, com guichê, gerente, lanterninha e tudo mais, assistindo uma sucessão de filmes que, para nós, leitores, são tão familiares quanto estranhos, como se ela estivesse efetivamente em um purgatório, sem poder sair de lá e também sem poder interferir no que acontece. A narrativa é segmentada, com os breves intervalos entre os filmes abrindo espaço quase exclusivo para a narradora e com os filmes então invertendo a lógica e assumindo o destaque, ainda que a narradora faça seus comentários ao longo das projeções. Existe um objetivo e um fim para a história, ou quase isso, pelo que a leitura não é, apenas, um fim em si mesmo, ou seja, o passeio pelos estilos cinematográficos – diria que é até mais apenas do que por estilos e sim pela História do Cinema, especialmente dos EUA, com todo o tipo de comentário ferino que Moore poderia fazer, inclusive, claro, sobre como é fácil e costumeiro ideias serem roubadas sem cerimônia – e sim uma narrativa completa.

No entanto, exatamente por manter essa estrutura de “entra e sai” em versões de filmes que “conhecemos de algum lugar”, mas com seus devidos retrabalhos pela mente insana de Moore, a leitura pode ser um pouco cansativa. Afinal, ela foi pensada para ser lida de pouco em pouco, a cada edição que era lançada ao longo de pouco mais de três anos, e ao lado dos demais roteiristas e artistas que contribuíram para a antologia. Portanto, é necessário ter calma e respirar a cada vez que a narradora assume a história nos referidos intervalos, de preferência retornando ao filme logo anterior para destrinchá-lo e conectá-lo com suas “versões reais”. Só para o leitor ter uma ideia, o primeiro “filme” é uma sensacionalmente violenta versão dos atrapalhados Keystone Kops, seguido de um épico clássico de Hollywood em que um centurião romano e um filósofo conversam sobre a natureza da realidade em uma narrativa que subverte obras como A Rosa Púrpura do Cairo, que é então seguido do terceiro capítulo do serial do super-herói A Chama do Remorso que leva seus inimigos a se contorcerem de culpa pelo que fizeram, e, depois, seguido de uma melancólica versão de King Kong, de 1933, em que o gorilão tem a voz do responsável pelos trabalho de stop-motion da obra original falando de toda sua vida. E assim a coisa vai, com a mente febril de Alan Moore nos levando a histórias cada vez mais surpreendentes na forma como ele faz do familiar algo estranho e até repugnante.

A arte de Kevin O’Neill não desaponta por um segundo sequer. Muito ao contrário, o que vemos é um livre exercício de estilo do artista que não só consegue trabalhar cada “filme” com traços próprios (que, obviamente, decorrem do estilo original dele), como ele ainda consegue fazer de cada intervalo uma história visualmente única, com a técnica de esfumaçamento, como se ele borrasse o lápis para “dar cor” aos quadros. É um absoluto deleite ver O’Neill transitar de uma densa selva em que vive um gigantesco primata para uma prosaica casa de subúrbio típica de filmes americanos em que um casal jovem recém-casado acabou de se mudar ou para uma recriação quase literal dos filmes de monstro da Universal. A cada novo “filme”, vemos um “novo” O’Neill muito claramente divertindo-se horrores com mais essa parceria com um Moore extremamente inspirado.

Alan Moore e Kevin O’Neill conseguiram novamente e Cinema Purgatório é um verdadeiro deleite de narrativa sequencial que, bem no estilo da dupla, oferece uma torrente constante e interminável de informações, críticas, comentários e puro entretenimento adulto nada descartável que enriqueceria a coleção de qualquer um. Não que as demais histórias contadas nas edições normais da publicação não devam ser lidas, pois sem dúvida devem, mas essa aqui merece destaque absoluto se for para escolher uma só. Desse purgatório, confesso que fiquei triste quando finalmente tive que sair!

Cinema Purgatório por Alan Moore (Cinema Purgatorio: This is Sinerama – EUA, 2021)
Contendo: os capítulos escritos por Alan Moore e desenhados por Kevin O’Neill de Cinema Purgatório #1 a 18
Roteiro: Alan Moore
Arte: Kevin O’Neill
Letras: Kurt Hathaway
Editoria: William Christensen
Editora original: Avatar Press
Data original de publicação (do compilado): março de 2021
Editora no Brasil: Panini Comics (Editora Panini)
Data de publicação no Brasil (do compilado): novembro de 2022
Páginas: 160

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