Home TVEpisódio Crítica | Cineastas do Nosso Tempo – 1X01: Luis Buñuel

Crítica | Cineastas do Nosso Tempo – 1X01: Luis Buñuel

Tambores surreais.

por Luiz Santiago
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[Se eu tivesse que me definir…] sairia pela porta sem dizer uma palavra.

Luis Buñuel

Criada em 1964 para a ORTF (L’Office de Radiodiffusion-télévision Française), a série Cineastas do Nosso Tempo tinha por objetivo explorar, através de documentários televisivos realizados de maneira bastante criativa, os mais diversos temas da Sétima Arte, indo de entrevistas e panoramas de diretores, até problemáticas contemporâneas e escolas de cinema. Criado por Janine Bazin e André S. Labarthe, o programa teve uma primeira versão que durou até 1972, e uma segunda versão iniciada em 1989, agora exibida na rede Arte (Association Relative à la Télévision Européenne), com o título Cinema do Nosso Tempo. O primeiro episódio do show, dedicado ao cineasta espanhol Luis Buñuel, estreou em 4 de abril de 1964, e trouxe uma excelente abordagem da carreira e uma boa quantidade de informações sobre a vida do cineasta, nascido em Calanda, Espanha, em fevereiro de 1900.

Por gostar muito de assistir a documentários com diretores em cena, eu não consigo deixar de vibrar quando noto o olhar e as opiniões desses cineastas entrevistados sobre o processo de filmagem que se desenrola em sua frente. Aqui, há uma cena maravilhosa a esse respeito. O entrevistador e Buñuel estão fazendo uma tomada externa, próximo a uma estrada. Estão em pé e a câmera, em plano americano, mostram a dupla conversando. De repente, passa um ônibus. O entrevistador simplesmente ignora o fato e segue conversando. Quando começa a ouvir o barulho, Buñuel interrompe a fala, olha para a câmera, para o ônibus, para o entrevistador e fica claramente desconfortável. Então ele aponta para o carro e diz: “mas nós vamos mesmo continuar?“. Esta é uma das mais honestas e engraçadas interferências de um profissional que sabe muito bem como lidar com filmagens, e entende que o barulho intenso certamente atrapalhará o resultado. Só por esta cena, já valeria todo o episódio.

A abordagem que Robert Valey faz neste episódio é visual e narrativamente interessantíssima. Ele brinca com as informações obtidas com Buñuel e contrasta essas falas com as de outros entrevistados, criando um jogo de oposições que diverte o espectador e mostra as distintas visões e experiências para cada um desses indivíduos. Enquanto Georges Sadoul diz ser óbvio que Buñuel é fortemente influenciado por Goya e Velázquez, o próprio Buñuel diz que não tem influência nenhuma. Esse jogo de “visão do artista” oposta à “visão do crítico” e à “visão de outros amigos artistas” é um aspecto muito bem explorado no documentário e um de seus charmes narrativos. Não gosto das cartelas que dividem os temas no interior do episódio, e não sei se elas serviam para interromper a programação e apresentar os comerciais, ou se foi uma opção estética para o projeto. Independente da intenção, elas aparecem muito mais frequentemente do meio para o final do longa, e acabam irritando o espectador.

Os temas abordados no enredo concebido por Janine Bazin e André S. Labarthe ultrapassam a filmografia do protagonista. Ao ser perguntado sobre o seu processo criativo e imaginativo, Buñuel diz que “não possui imaginação ou criatividade“, e que é “movido pelo instinto“. É uma visão muito diferente, e ver o próprio Buñuel dizendo que repete as mesmas ideias em todos os seus filmes, apenas mudando o jeito de falar sobre elas é algo que causa uma reação muito peculiar no público. Da mesma forma, nos chamam a atenção as fofocas de sua vida, como o soco que ele deu na cara de Salvador Dalí, em plena 5ª Avenida, colocando fim à amizade entre os dois (isso, após Buñuel ser demitido do MOMA por algo que Dalí disse aos curadores, referindo-se à produção de A Idade do Ouro); ou que Buñuel colecionava armas, tinha 80 delas em sua casa, no México, e que fabricava suas próprias balas.

Citando elementos artísticos, metáforas, bastidores e intenções de produção para os filmes Um Cão Andaluz, Terra Sem Pão, O Alucinado, O Anjo Exterminador e Nazarin, o episódio nos faz conhecer toda a estranheza e, ao mesmo tempo, todo o fascínio que a figura de Luis Buñuel nos traz. É um excelente ponto de partida para quem está começando na filmografia do diretor, e um deleite cheio de grandes significados e referências para quem já passou por ela. Um início muito forte, relevante, bem produzido de uma série, com um inestimável material filmado, que termina com um baque, ao nos mostrar a casa onde Buñuel nasceu sendo demolida, em Calanda. Uma bela provocação melancólica, especialmente se considerarmos o objeto de estudo deste início de série.

Cineastas do Nosso Tempo – 1X01: Luis Buñuel (Cinéastes de notre temps: Luis Buñuel: Un cinéaste de notre temps) — França, 4 de abril de 1964
Direção: Robert Valey
Roteiro: Janine Bazin, André S. Labarthe
Elenco: Luis Buñuel, Valentin Arteta Luzuriaga, Conchita Buñuel, Max Ernst, Adonis Kyrou, André S. Labarthe, Michel Piccoli, Pierre Prévert, Jacques Rozier, Georges Sadoul
Duração: 44 minutos

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