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Crítica | Cidade Perdida

Não julgue um livro pela capa.

por Kevin Rick
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Cidade Perdida é um filme bobo. Mas isso não é sempre um problema por si só, considerando que a obra é propositalmente boba em sua comédia romântica aventureira, contendo uma premissa emprestada de Tudo por uma Esmeralda e sua protagonista romancista que acaba numa caça ao tesouro. O filme também bebe de elementos do subgênero screwball comedy (comédia maluca), como Levada da Breca, com sua reversão de papéis dos gêneros sexuais em histórias de amor tradicionais, tendo a mulher como figura central e o homem tendo sua masculinidade satirizada, além de seguir uma rota narrativa de situações doidinhas e inacreditáveis ao redor de dois personagens incompatíveis, mas que lentamente passam a gostar um do outro enquanto proporcionam as risadas para a audiência.

O roteiro escrito por cinco mãos diferentes e a direção dos irmãos Adam e Aaron Nee seguem uma cartilha batida de diferentes gêneros, desde a razoável sensação de aventura do citado Tudo por uma Esmeralda (que por si só já é uma cópia inferior de Indiana Jones) e a dinâmica cômica de Rachel Weisz e Brendan Fraser em A Múmia, até o arco telegrafado de comédias românticas formulaicas. Como acontece em filmes assim, muito da qualidade da experiência fica nos ombros das estrelas e sua química. Neste caso, Sandra Bullock e Channing Tatum não fazem feio como Loretta Sage (Bullock), uma escritora em luto pela perda do marido, e Alan (Tatum), modelo de capa dos livros da protagonista. Não entrarei em meandros da trama para não dar spoilers, mas Loretta é sequestrada pelo bilionário Abigail Fairfax (Daniel Radcliffe, surpreendentemente divertido como o antagonista mimado e maniqueísta), que força a romancista (quem tem talentos arqueológicos) a traduzir um pergaminho e achar uma relíquia valiosa.

Ambos os atores principais são carismáticos. Como eu havia citado no começo da crítica, a obra busca satirizar a masculinidade do protagonista, com Tatum se destacando em explorar sua aparência e estereótipos para a comédia, brindando o público com boas piadas subversivas do herói masculino que é bem abobalhado e não tem ideia do que está fazendo. O roteiro também é inteligente na composição de Loretta, com Bullock interpretando uma personagem inteligente mas vulnerável, corajosa mas também abobalhada. Gosto como a obra coloca a personagem de salto alto e num macacão de lantejoulas rosas em contraste com a selva, também brincando com o recente elemento de “mulher forte” em filmes. Ambos os personagens precisam ser salvos, e ambos os atores não se importam em abraçar o estilo pastelão da história e da personalidade meio pateta dos seus personagens.

Dito isso, Cidade Perdida não é engraçado do início ao fim. É um filme feito de bons momentos numa experiência geral medíocre. Algumas situações são muito bem-escritas e atuadas, como a cena dos sanguessugas, as piadas com a masculinidade de Tatum, as sacadas visuais com Bullock (a gag dela na cadeira é sensacional), e especialmente a participação especial de Brad Pitt como Jack Trainer, também trazendo humor de estereótipo com o “cara fodão”. A forma como o cameo de Pitt termina é maravilhosamente engraçada, junto ao tom subversivo das piadas do filme, mas a partir da saída dele, a comédia começa a perder força. Primeiro que deixamos de ter a deliciosa dinâmica masculina entre Pitt e Tatum, mas o problema está principalmente em como a narrativa descamba para o tom meloso do romance e o drama superficial.

Roubando uma frase do filme, Cidade Perdida se torna uma grande “metáfora rasa” à medida que a aventura avança. Situações clichês como “não julgue o livro pela capa” com Alan, ou o drama leviano de luto com Sage, acabam tomando a frente da dinâmica tradicional dos opostos se apaixonando, com o filme deixando de ser um “bobo esperto” e charmoso, para se reconfigurar como o mesmo namorico genérico que vimos diversas vezes. Chega a ser incrivelmente ridículo como os diálogos entre os personagens se tornam mais e mais melodramáticos e pseudo-filosóficos à medida que a trama avança. O final da obra com o macguffin até tem uma mensagem bonita e singela sobre amor, mas a história não tem substância para trazer algum tipo de efeito dramático. Além disso, para um filme que brinca com arquétipos, sinto um certo mau gosto em como ele também reforça clichês hollywoodianos, como a “amiga negra” exagerada, o latino engraçadinho que fala tudo com conotação sexual e, claro, a cultura nativa pouco explorada.

Esse último elemento, aliás, me leva a falta de mitologia da obra. Até gosto do design de produção e das locações, se distanciando do CGI ruim de algo como Jungle Cruise, ou da produção visualmente pobre de Alerta Vermelho, mas falta  imaginação para o desenvolvimento da aventura. Eu sei que Cidade Perdida é mais próximo de um romance barato do que necessariamente um exercício do gênero, mas a obra poderia se aproveitar mais da premissa em termos de experiência cinematográfica. Suas leves armadilhas ou enigmas antigos são muito padrões (a cena de Loretta atravessando a passagem final é puro anticlímax, por exemplo), com o roteiro não desfrutando do quebra-cabeças histórico e o sentimento de descoberta. A direção dos irmãos Nee não fica atrás, até se aproveitando de algumas resoluções cômicas interessantes no início do filme (as coreografias com Pitt, a escapada no carrinho de mão do trio e as sequências da minivan), mas os diretores têm pouco senso tátil para aventura (a falta de uma boa trilha sonora também não ajuda), e gradualmente perdem a criatividade visual para momentos cômicos.

Cidade Perdida é um filme que se esgota muito rápido. O terço inicial da obra se aproveita do humor bobo, da tiração de sarro com estereótipos e da aventura mesclada com “comédia maluca” para oferecer uma experiência charmosa, mas o restante do filme é o velho romance aguado e convencional que conhecemos. Sinto isso nos diálogos e nas piadas gradualmente mais clichês, nas interações cada vez mais genericamente melosas à medida que Tatum e Bullock desbravam a selva e na falta de criatividade da direção e do texto para momentos cômicos e aventureiros no ato final (o desfecho dos personagens presos é de revirar os olhos). Dava para desenvolver o restante da obra numa familiaridade gostosa e no mesmo tom do início, mas a produção se resigna a ser “mais do mesmo”. No final, fica uma reflexão: mais Brad Pitt é sempre melhor.

Cidade Perdida (Lost City) – EUA, 21 de abril de 2022
Direção: Adam Nee, Aaron Nee
Roteiro: Oren Uziel, Dana Fox, Adam Nee, Aaron Nee
Elenco: Sandra Bullock, Channing Tatum, Daniel Radcliffe, Da’Vine Joy Randolph, Brad Pitt
Duração: 112 min.

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