A melhor parte dessa continuação de Chucky em formato de série é como Don Mancini tem aproveitado o momento para expandir sua criação em um universo compartilhado além de tratar — mesmo sem assumir — as temporadas como uma antologia narrativa. Um exemplo desse tratamento antológico é na participação de Devon Sawa — e também Michael Therriault — com personagens variados enquanto leva o brinquedo assassino para diferentes cenários. Ao menos, no ano inaugural da série, o foco se concentrou em formar o argumento de um requel, já na temporada seguinte, apesar do senso lógico, o trio de protagonistas foram levados para uma escola interna de regime religioso, e a presença de Chucky agia como uma antítese, uma ironia profana a medida que executava seu plano de crescer com um exército matador com os bonecos espalhados pela América.
Ainda falta mais capricho de Mancini para ser coerente com as reviravoltas descabidas para manter a série no ar, mas quando o autor encontra o próximo lugar de ataque para o boneco assassino, é impossível não se empolgar e para a terceira temporada, o alvo de Chucky não é nada menos do que se infiltrar na Casa Branca. Que Mancini não se importa com a verossimilhança, é um fator evidente ao longo dos episódios, porém, é de possível esperar que o passo seguinte do boneco seja em executar sua sede de poder causando caos no Palácio Presidencial até que possa manipular todas as decisões políticas da América. É caótico só de imaginar o terrível boneco nessa posição — e Mancini faz essa provocação quando Chucky senta na cadeira da presidência para pegar uma adaga na mesa —, mas até lá, Mancini cria essa ponte de sangue como o novo plano maquiavélico do brinquedo.
O que tira o brilho desse potencial narrativo de temáticas diferentes por temporada e provocar a ideia do que Chucky pode causar com sua busca de poder e matança é a insistência de Mancini em manter a presença de velhos personagens. Mesmo tendo um tom de sátira para o funcionamento das redes sociais — ainda mais considerando que esse é um terreno novo com que o universo de Brinquedo Assassino conversa — o retorno de Lexy, Jake e Devon em Murder at a 1600 parece deslocado e sem uma empolgação aparente, mesmo que as pontas soltas da season finale passada justifiquem o apelo do trio para deter o boneco — de novo! — uma vez por todas. Esse ainda é um artifício narrativo ao qual Mancini não vai se arriscar sem reverter em seguida com um twist anticlímax como vem apresentado, porém, seria interessante ver o criador sair da zona de conforto.
As partes que mais funcionam em Murder at a 1600 é quando não temos os indícios da premissa autocontida da série (que é lembrada toda vez que o trio de sobreviventes aparecem), logo, os acertos ficam com Chucky se infiltrando na Casa Branca e se identificando como Joseph. Essa é uma maneira óbvia de apontar que o boneco está reiniciando seus planos e de maneira ainda mais louca com a troca de nome, enquanto sabemos que ali habita o velho Charles. Voltando para o posto de direção, as escolhas de Jeff Renfroe para ilustrar as movimentos do boneco no Palácio Presidencial conseguiram empolgar com o suspense e possibilidades de qual seria a primeira ação sangrenta, e quando acontece, a fotografia de Christopher Soos se encarrega de trazer um vislumbre chocante, diferente dos números teatrais das mortes nas temporadas passadas.
Porém, ao mesmo tempo que é provocante ter Charles na Casa Branca, Mancini fica na linha de impasse de trazer novos personagens e manter os velhos numa narrativa que não tem a intenção de se arriscar com essa espécie de “reboot” televisivo por temporada que não se assume como antologia, mas se contenta em atiçar para as possibilidades numa premissa dependente, como um requel: cada temporada, um vislumbre do que seria a sequência dessa nova safra de capítulos que reúne antigos e novos rostos no tratamento em formato de série do infame brinquedo possuído.
Mesmo que muita coisa ainda não funcione, Mancini ainda consegue manter o espírito perverso, escroto e de energia caótica do boneco, e será divertido ver o desdobramento da campanha sangrenta que Chucky fará para alcançar a presidência, e muito provável, criar uma dinastia de bonecos na Casa Branca sem espaço para conservadores, apenas Charles, no ápice de suas artimanhas maquiavélicas por poder, e ele só precisa de um voto: a confiança de uma criança para ser o novo amigo, e é o que consegue com o carismático filho do presidente, Henry Collins.
Chucky – 3X01: Crime na Casa Branca (Chucky – 3X01: Murder at a 1600 – EUA, 2023)
Direção: Jeff Renfroe
Roteiro: Don Mancini, Nick Zigler
Elenco: Zachary Arthur, Bjorgvin Arnarson, Alyvia Alyn Lind, Devon Sawa, Brad Dourif, Lara Jean Chorostecki, Jackson Kelly, Callum Vinson, Michael Therriault, Ayesha Mansur Gonsalves, Alex Paxton-Beesley, K.C. Collins, Franco Lo Presti, Annie Briggs, Noah Dalton Danby
Duração: 44 min.