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Crítica | Chucky – 2ª Temporada

Brincando com as peças de sempre.

por Felipe Oliveira
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Se bem podemos lembrar, quando anunciada em 2018, quase que ao mesmo tempo do remake de Brinquedo Assassino, uma nuvem de expectativas caiu sob a vindoura série de Chucky, que segundo Don Mancini, era parte de uma oportunidade perfeita ao qual ainda não tinha explorado, isto é, a mitologia do Good Guy no âmbito televisivo. Tendo deixado um gancho interessante em O Culto de Chucky, o que Mancini pretendia era continuar expandindo esse universo criado em 1988 de maneira que funcionasse para formatos diferentes futuramente: TV e cinema.

O fato é que a produção ter sido várias vezes prejudicada com o cenário da pandemia, deu tempo a Mancini de refletir dois aspectos para sua série: o argumento do remake e a tendência dos requels. Porém, desde 2013, com A Maldição de Chucky que o criador flertava por essa abordagem antes de se tornar o novo túnel de resgate e transição entre franquias e um novo público em Hollywood. Foi surpreendente a saga voltar nove anos depois e conseguir amenizar o que A Noiva de Chucky e O Filho de Chucky imprimiram a façanha. Não escapando daquilo que marcou as produções no final da década de 90, o terceiro filme da série tentava se adequar ao que Kevin Williamson satirizou com Pânico, tanto que não só o cartaz de Pride of Chucky seguia a arte de Scream 2, mas pela primeira vez, Mancini reconhecia Chucky como um ícone do slasher ao costurar a metalinguagem na trama.

E bem, Seed of Chucky mirou numa ácida paródia da franquia e da indústria hollywoodiana, mas entregou um resultado ridículo, caindo consequentemente no esquecimento até Mancini apresentar uma revitalização que continuasse a brincar com os elementos-base. Quando finalmente a intitulada Chucky foi exibida, ao menos inicialmente, tinha um mistério ao que o autor estaria propondo com o show enquanto trilhava por um segmento ainda não explorado, sendo esse o viés high school e trazendo um forte personagem masculino como protagonista, Jake (Zackary Arthur). O que parecia promissor ao desenvolver o retorno do boneco assassino através de Jake, logo se revelou parte de mais um requel, com a nova história se conectando com eventos passados. Então, além do retorno de Tiffany (Jennifer Tilly) e Nica (Fiona Dourif), até a metade da temporada, os personagens cânone Andy (Alex Vincent) e Kyla (Christine Elise) estavam de volta para frustrar os planos do serial killer de criar um exército de Good Guys espalhando matança pelos EUA.

Por mais que seja notório que a série dê continuidade a Cult of Chucky, no caminho, Mancini quis elaborar uma ponte para familiarizar o novo público com o universo do brinquedo assassino, e ainda, inserir diferentes prismas ao que já foi apresentado nos filmes — a exemplo dos tediosos flashbacks resumindo a infância de Charles, até quando ele conheceu Tiffany e por fim foi baleado na loja que continha os bonecos. Nisso, Chucky não só reaproveita o escopo do sétimo longa, e sim de toda saga, mas com ênfase a Pride e Seed of Chucky. Então, temos aqui uma espécie de oitavo filme que quer ir e vir com as pontas soltas de seu acervo para manter algum fio que justifique sua existência. Pensando assim, a pergunta não é se a série tem relevância, já que a proposta de Mancini é de realmente levar sua história para cômodos não acessados, contudo, numa abordagem descompromissada, valorizando os personagens numa comédia de terror que ignora os limites.

De certa forma pode-se afirmar que Mancini ensaia uma projeção mais madura de terror e sátira que não conseguiu com o terceiro e quarto filmes, o que temos como ilustração as inspirações a filmes slashers como construção de atmosfera e cenas de ataque — a abertura de Halloween de John Carpenter foi usada de forma inteligente na primeira temporada, já na segunda, O Terror Continua e Pânico serviam para contextualização do retorno da série. Olhando por esse aspecto, foi como Mancini pôde melhor trabalhar a figura de Chucky e tratar sua escrotice ao nível de protagonismo e quase com autonomia que busca desempenhar o próprio enredo nessa abordagem mais autoconsciente e dinâmica. Parte disso é possível porque desde o começo o roteiro explora as consequências das atrocidades cometidas por Charles e como isso assume inúmeros traumas a saúde mental e personalidades de Jake, Devon (Bjorgvin Arnarson) e Lexy (Alyvia Alyn Lind).

Seria tentar ser simpático com Mancini dizer que a certeira dinâmica em que explorou o caráter de Chucky, refletindo a possibilidade de mudança, de reintegração e reformulação de sua sociopatia foi referência a O Silêncio dos Inocentes, sendo a relação de Clarice e Hannibal a base para como vimos o serial killer ter uma possível humanidade discutida enquanto o trio de protagonistas tentava manter a sanidade e impedir as práticas abomináveis do boneco, mas a ideia de ter o mal fragmentado, em que cada partição de Charles espelhada em um Good Guy ponderava diferentes personalidades se assemelhava mais ao argumento de Tyler Burton Smith para o remake de 2019, e a prova disso é o “Chucky bom” contestando sua natureza e dividido entre ser o amigo protetor para Jake.

Contudo, dentro deste acerto, Mancini tropeçava no que mais insiste em manter por perto na série: Jennifer Tilly e sua Tiffany. O que justifica sua permanência é que finalmente — não que tenha valido a pena afinal de contas — o show se dispôs a retomar o arco de Glen e Glenda, agora em suas versões humanas vividas por Lachlan Watson. E além da repetição enfadonha e desgastante com Nica, até então, Mancini sofre para estabelecer um equilíbrio com Tiffany. Tilly se mostra melhor do nunca em usar sua voz peculiar para interpretar com muito sarcasmo e desdém a personagem, que claro, assim como em O Filho de Chucky, a série cutuca o fato da atriz ter sido indicada ao Oscar, mas ser reconhecida como a eterna Tiffany. O que frustra a tentativa de Mancini em trabalhar um arco narrativo independente a de Chucky com a ex-noiva, não mais como sua amante, cúmplice e esnobada, mas deixando rolar as suas tendências psicopatas, é pela a ideia ainda não atingir um ponto de maturidade, metalinguagem e autosátira como o criador imagina.

É ótimo que Mancini saiba que não precisa de muito para Chucky, acompanhado da categórica dublagem de Brad Dourif divirta com sua acidez, no entanto, por mais que a síntese seja em explorar e revisitar a saga com um viés cômico e ainda mais cínico, não compensa o nível de absurdos e incoerências narrativas apenas para manter os mesmos personagens por perto. E claro que para a coisa continuar, as excessivas ressurreições continuarão acontecendo, mas até o momento, Mancini tem usado toda essa despreocupada loucura para deixar outras pontas soltas de lado, como o fato de Charles ter voltado para um Good Guy depois do final de Cult of Chucky. Nessa onda de requel, é uma pena que o incrível potencial da amizade e excelente crescimento de Jake, Devon e Lexy não possa respirar tão bem como na temporada anterior, perdendo espaço para a recorrência cânone da saga.

Com um segundo ano inferior à temporada de estreia, não deve demorar para o terceiro ciclo ser confirmado, e até então, há sinal de que o trio de protagonistas voltem a receber um tratamento mais harmônico, mas ainda com resquícios desse coming of age nebuloso desde que Chucky chegou a Hackensack, e claro, Tiffany como importante peça para o que Mancini tem elaborado para a próxima fase. A pergunta que fica é: ainda terá gás ou o criador pensou em um desfecho? 

Chucky – 2ª Temporada (EUA, 2022)
Criação: Don Mancini
Direção: Leslie Libman, Samir Rehem, Jeff Renfroe, Don Mancini, John Hyams
Roteiro: Don Mancini, Kim Garland, Rachael Paradis, Nick Zigler, Mallory Westfall, Alex Delyle, Isabella Gutierrez, Amanda Blanchard
Elenco: Zackary Arthur, Bjorgvin Arnarson, Alyvia Alyn Lind, Brad Dourif, Devon Sawa, Jennifer Tilly, Fiona Dourif, Lachlan Watson, Barbara Alyn Woods, Carina Battrick, Alex Vincent, Rosemary Dunsmore, Lara Jean Chorostecki, Bella Higginbotham, Andrea Carter, Christine Elise
Duração: 52 a 49 mn (8 episódios, cada)

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