Tyler Okonma – ou Tyler, the Creator – possui uma das trajetórias mais peculiares da indústria musical recente. O rapper que iniciou carreira no grupo Odd Future logo alavancou popularidade por seus versos autênticos – mas também ofensivos e pesados. Durante muitos anos Tyler foi sinônimo de polêmica, um artista cancelado muito antes de cancelamentos virarem tendência. Mas algo mudou em Tyler desde seu excelente Flower Boy (2017), um retrato de seu amadurecimento, onde inclusive saiu do armário – uma surpresa para todos considerando um artista que até então era acusado de homofobia. Indo no caminho oposto à involução de Kanye West, o “novo” Tyler é a melhor versão do rapper que poderíamos pedir, enquanto sua persona antiga parece um passado que é preferível ser esquecido.
Essa introdução reflexiva é essencial antes de mergulhar em Chromakopia, seu mais recente álbum. O novo trabalho reitera a impressionante evolução do rapper nos últimos 8 anos. De certa forma, Tyler é um dos artistas mais próximos do estilo camaleônico de David Bowie (que inclusive parece referenciado na capa do álbum). Cada um de seus álbuns recentes oferecem uma estética própria em cima de ‘novos personagens’ personificados na figura do artista. Em sua nova empreitada, esse personagem parece drasticamente diferente de suas últimas e bem-humoradas personas: o novo Tyler carrega um tom sombrio bem ao estilo Jordan Peele, vestido com uma máscara de si próprio e sob uma estética escura com tons de verde musgo.
Este sinistro personagem é o avatar escolhido por Tyler para discursar sobre seu amadurecimento. A estética escura é uma bela metáfora sobre o adeus da juventude e do aceno para a sobriedade da vida adulta, além das expectativas esmagadoras colocadas pela sociedade. As pressões da vida pública (Noid), a cobrança para ter filhos (Tomorrow e Hey Jane), as dificuldades de comprometimento em relacionamentos (Darling, I), as máscaras que escondem as inseguranças (Take Yout Mask Off), esses são apenas alguns dos temas que o artista de 32 anos reflete em meio a sua transição geracional. Tal como Charli XCX exercita os mesmos pensamentos em seu magnífico Brat desse ano, Tyler está mais preocupado em mergulhar nas perguntas do que garantir respostas para si próprio.
O artista volta a explorar beats e samples quase como um cientista, realizando colagens e desafiando o formato tradicional de canções a fim de construir experiências realmente autênticas. A faixa de abertura, St. Chroma, é uma epopeia criativa que reitera essa busca pela exploração musical: onomatopeias, sussurros, gritos e um belo arranjo de vozes se encontram em uma canção que soa como um verdadeiro épico. Nesta mesma atmosfera está Noid, que funciona como um rock experimental de primeira. A faixa é cheia de camadas e transições de batidas, com direito a sample de banda de rock de Zâmbia – um frescor criativo que reforça a procura de Tyler por novas sonoridades. Ainda assim, a maior explosão de beats do álbum talvez fique com Balloon, que junto da participação de Doechii, remontam um flow de rimas ágeis e crescentes, com direito a um ápice absolutamente catártico.
Apesar de perder um pouco de fôlego em sua segunda metade, Chromakopia não abre mão em nenhum segundo de seu espírito criativo e autenticidade como expressão musical. Trata-se do quarto capítulo desde o desabrochar de Tyler em Flower Boy, onde iniciou seu desbravamento por essa odisseia de álbuns de desenvolvimento pessoal. Chroma é o avatar ideal para desabafar suas inseguranças diante de uma mudança geracional, sem perder sua marcante autoestima. Por fim, a resposta que Tyler procura ele já oferece literalmente no início (primeira frase de St. Chroma) e fim do álbum (últimos versos de I Hope You Find Your Way Home): “A luz vem de dentro / Espero que você encontre o caminho de casa”.
Aumenta!: St. Chroma
Diminui!: Sticky
Chromakopia
Artista: Tyler, The Creator
País: Estados Unidos
Lançamento: 28 de outubro de 2024
Gravadora: Columbia
Estilo: Hip-hop