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Crítica | Christmas Carole (1966)

Três jovens sem dinheiro durante as férias de Natal de 1966.

por Luiz Santiago
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Christmas Carole é, digamos, um “filme potencialmente interessante“. Bem.. na verdade, Christmas Carole nem é um filme. É um “projeto de filme“. Sim, um exercício cinematográfico de demonstração, concebido para olhos treinados de um certo produtor de cinema. Tomadas num estilo que tende a mostrar uma cuidadosa exploração do espaço, de visita dos personagens a espaços urbanos populares, de integração dos indivíduos com a paisagem e com a multidão. Planos cuja intenção é destacar atores, procurando apresentá-los e fazer com que exibam emoções contrastantes na tela — um teste de capacidade dramatúrgica, caso queiram. É assim que conhecemos Hélène Viard, Gérard Depardieu e Francis Merle neste “teste fílmico” realizado pela grande Agnès Varda em 1966.

Infelizmente, estamos diante de um “ensaio sério” em forma de proposta fílmica. Em entrevista concedida em 1994, a  diretora fez comentários esclarecedores sobre o projeto, falando das ideias políticas e do engajamento cheio de revolta e pouca paciência dos jovens daquela década, acenando para um filme que abraçaria o “estar no mundo” em oposição às inseguranças, desejos, abandonos e decepções da intimidade dos três protagonistas (envolvidos em um triângulo amoroso). Em seu relato, Varda diz que não aceitou receber dinheiro antecipado para esta ideia. Ela sabia o que tinha em mente e temia que, recebendo o dinheiro, teria que moldar o projeto ao gosto do chefe do estúdio. Antes, preferiu registrar 4 minutos de “possibilidades fílmicas” e enviá-las ao referido produtor, tentando atraí-lo para o projeto do jeitinho que ela tinha imaginado.

Claro que não deu certo: a ideia foi recusada e os poucos planos filmados foram guardados pela diretora em seu baú de memórias. Exponho abaixo o complemento da própria Agnès Varda sobre o que aconteceu durante aqueles dias de filmagem:

Eis-nos aqui, fazendo planos em Montparnasse. Também filmamos no Boulevard Haussmann, diante das vitrines repletas dos grandes armazéns e das luzes de Natal. Igor [personagem de Depardieu] denunciava ali o consumo excessivo, pedindo esmolas. A voz de Depardieu já possuía inflexões magníficas. E sua coragem jamais vacilava; era ele quem carregava os equipamentos e até mesmo a câmera às vezes, especialmente quando fazíamos ajustes de ambiente na Rue de la Gaîté. De tudo isso, restam apenas algumas fotos e quatro ou cinco minutos de filme, que naquela época, sequer consegui encaixar adequadamente.

Não temos muito com o que “trabalhar” aqui, é verdade. Temos belíssimas cores, uma direção ágil, mas sem nada de muito coeso para ser analisado como unidade. Não dá para ignorar, todavia, a aplaudível capacidade de Agnès Varda em aplicar o seu olhar de fotógrafa ao cinema, com planos, ângulos e idealização de tomadas visualmente instigantes.

Mesmo que de maneira descontínua, é possível entender a linha argumentativa da diretora, sua mescla de romance com crítica social e inserção de um pensamento corrente naquele momento da história da Europa, principalmente na juventude. Para ser sincero, não me admira em nada que a ideia tenha sido rejeitada. Mas se tem algo de bom nisso, é que os negativos foram guardados, restaurados em 2021 pela filha da diretora, e disponibilizados para os espectadores desfrutarem dessa semente nunca colocada na terra. Uma interessante, estranha e um pouco bagunçada ideia da nossa querida mamãe Varda.

Christmas Carole (França, 1966)
Direção: Agnès Varda
Roteiro: Agnès Varda
Elenco: Hélène Viard, Gérard Depardieu, Francis Merle
Duração: 4 min.

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