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Crítica | Chocolate (2000)

Uma narrativa que mescla realismo e tom de fábula para versar sobre liberdade feminina.

por Leonardo Campos
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Prazer. Alegria. Relaxamento. Eis algumas as sensações promovidas pelo chocolate, produto milenar já apreciado pelos astecas e maias há eras, uma bebida com tom amargo, feita com sementes de cacau, considerada por esses povos como o “alimento de Deus”. Levado pelos espanhóis na época da expansão comercial para o território europeu, a magia do chocolate conquistou o mundo e se tornou uma referência no âmbito da gastronomia. No cinema, se tornou conteúdo alegórico para diversas narrativas. Chocolate, lançado em 2000, dirigido por Lasse Hallstrom, cineasta que se guia pelo roteiro escrito por Robert Nelson Jacobs, é um dos filmes mais renomados na história recente que tem no sabor do chocolate a base alegórica para o desenvolvimento de sua história. Nessa emocionante jornada sobre liberdade feminina, fotografada com muita beleza por Roger Pratt e adornada pelo eficiente design de produção de David Gropman, setores ainda mais intrigantes pela musicalidade da textura percussiva de Rachel Portman, nós espectadores acompanhamos o mistério em torno de Vianne Rocher, interpretada com maestria por Juliette Binoche, uma mulher que em 1959, chega até uma vila no interior da França e inaugura uma chocolataria, tendo que lidar com os habitantes ora fascinados pelos seus produtos, ora revoltados com a venda de algo tão tentador em plena Quaresma.

Além disso, ousada e consciente do que deseja empreender, a protagonista ainda enfrenta o preconceito dos moradores ao desenvolver uma amizade com um grupo de nômades indesejados pelos “donos da moral” no local, figuras ficcionais estereotipadas, mas que funcionam para o andamento da alegoria narrativa: a nobreza arrogante do prefeito que estabelece as regras na cidade, uma viúva que decidiu manter o luto em conserva durante décadas, uma moça em mania constante que realiza pequenos furtos para administrar as suas emoções, a mãe dominadora que deixa o filho constantemente sem oxigênio, dentre outras, além da mágica mulher misteriosa que chega discretamente ao local e muda completamente a vida de todos com o sabor de suas delícias na confeitaria. Mixando um tom envolvente de fábula, mas mantendo um discurso realista constante, numa proposta narrativa híbrida morna, sem grandes tensões, um exercício de paciência para as nossas atuais plateias agitadas. Reflexivo, o filme segue linear, sem rompantes, mas entrega uma história de beleza e emancipação que emociona.

Os ventos do norte, o espírito de andarilho, o efeito mágico ou químico do chocolate na vida de quem os experimenta, além da ousadia da protagonista em causar transtorno diante de pessoas tão aprisionadas aos valores de uma época ainda mais extrema que os não tão diferentes disfarçados dias atuais no quesito religiosidade: esses são alguns tópicos do roteiro de Chocolate que não trazem novidade alguma, ao contrário, já foram vistos melhor ou de maneira semelhante, metaforicamente em outros filmes, mas que aqui, pontuam o tom memorialístico da história que é contada ao público. Alfred Molina, no papel de Paul de Reynaud, encarna o típico vilão inicialmente unidimensional, mas que aos poucos vai ficando esférico. Apesar de funcionar pouco, o romance entre a protagonista e Roux (Johnny Depp) traz uma dose de charme para a trama que ainda flerta sobre homens abusivos, como é o caso de Serge (Peter Stormare), o dono do café local, irritado não apenas pela ortodoxia sufocante da cidade, mas pelos chocolates que, aos poucos, se transformam numa espécie de concorrente de seu empreendimento.

Em linhas gerais, Chocolate, baseado no romance homônimo de Joanne Harris, explora temas como liberdade, amor, aceitação e a luta contra normas sociais. A protagonista, Vianne Rocher, representa a busca pela liberdade e autenticidade em uma sociedade conservadora, pois ao trazer novos sabores e uma nova perspectiva sobre a vida, simbolizando a importância de viver de acordo com os próprios desejos e convicções, a produção evoca o conflito entre a tradição representada pelo prefeito da cidade, Reynaud, e a modernidade trazida por Vianne. Reynaud tenta manter o controle e a ordem em sua comunidade, enquanto a sedutora protagonista introduz uma nova cultura que é vista como uma ameaçadora. É nessa tensão, sempre conduzida de maneira amena, o que diminui um pouco o impacto que a narrativa poderia ofertar, que contemplamos a luta entre a preservação das tradições e a aceitação da mudança.

Ademais, o chocolate no filme simboliza o prazer e a indulgência. O produto serve como uma metáfora para experiências sensoriais e emocionais, promovendo momentos de felicidade e conexão entre os personagens. A comida, neste contexto, se torna um meio de união e uma forma de resistência às adversidades, nos levando ao processo das adversidades no amor, pois as diversas histórias apresentadas em Chocolate, desde o romance entre Vianne e o viajante Roux até o amor entre os moradores da vila, recebem um enfoque que enfatiza como tal sentimento pode transformar vidas. Vianne, ao compartilhar sua paixão pelo chocolate, também transforma relações interpessoais, mostrando que o amor é uma força poderosa de mudança. Maternal e forte, o protagonismo de Binoche representa um modelo de empoderamento feminino que também quebra estereótipos e enfrenta a resistência do patriarcado em sua nova comunidade. Sua independência e habilidades comerciais ressaltam a importância da autonomia feminina em um contexto tradicional, dominado pela insistência do moralismo. É nesse espaço que a produção de 121 minutos reflete a interseção entre religião e moralidade, com o prefeito Reynaud representando uma visão estrita e dogmática da moral. O contraste com Vianne, que é guiada pela intuição e pela compaixão, levanta questões sobre a rigidez da moralidade tradicional e a necessidade de uma abordagem mais leve e inclusiva.

E há, ainda, a mudança como caminho para a transformação, uma das mensagens mais bonitas da narrativa indicada aos diversos prêmios de sua época, inclusive o cobiçado Oscar.

Chocolate (Chocolat) – EUA | 2000
Direção: Lasse Hallstrom
Roteiro: Robert Nelson Jacobs (baseado no romance  homônimo de Joanne Harris)
Elenco: Juliette Binoche, Alfred Molina, Judi Dench, Carrie-Anne Moss, Lena Olin, Peter Stormare, John Wood, Leslie Caron, Victoire Thivisol, Johnny Depp
Duração: 119 min.

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