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Crítica | China, de Michelangelo Antonioni (1972)

por Luiz Santiago
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Produzido para a televisão italiana e a convite do governo chinês (à época sob o comando de Mao Tsé-Tung), o documentário China, de 1972, é uma das obras mais destoantes dentro da carreira de Michelangelo Antonioni e apesar de ter inúmeros momentos interessantes — considerando a intenção de mostrar “o povo chinês como os verdadeiros atores do filme” –, é quase impossível assistir ao documentário e não ser impactado pela ausência de maiores nuances políticas e elementos de denúncia mais contundentes por parte da produção. Claro que isso fugiu ao controle básico do cineasta e teve muito a ver com o controle da emissora e do governo chinês — que proibiu o filme, acusando-o de “imperialista” e “revisionista” –, mas mesmo com o contexto limitador, a obra vive e carrega ao mesmo tempo boas e más caraterísticas.

As fontes que apontam a permanência de Antonioni e sua equipe na China estabelecem o período de filmagens entre 5 e 6 semanas, com o processo de registro sempre acompanhado por membros da TV chinesa — há apenas dois ou três momentos no documentário que o narrador indica uma desobediência do diretor e fotógrafo filmando mesmo quando não podiam — e sempre orientado para que destacasse ao mundo quem eram os chineses, como era o seu cotidiano e o que faziam eles no país do qual pouco se tinha informação naquele momento da Guerra Fria.

O mais interessante, porém, é que mesmo tendo elementos de propaganda política (e ainda assim, uma propaganda verdadeira, pois mostrar retratos de Mao e Marx em um país comunista não é nada absurdo, correto?) e mesmo que não apresentasse nada de realmente crítico no sentido social e político, Antonioni recebeu um enorme balde de água fria quando a montagem do documentário, dividido em três partes, ficou pronta. O governo chinês ficou furioso com a versão final e empreendeu uma campanha de boicote, ameaçando romper relações diplomáticas com os países que exibissem o filme e chegando a difamar o próprio diretor, acusando-o de ligação com os “soviéticos revisionistas” ou com um antigo inimigo do Estado Chinês (leia-se Mao).

O espanto de Antonioni era ainda maior porque tendo ele sido acompanhado durante todo o processo e tendo todo o material filmado sido pré-aprovado — inclusive as filmagens “disfarçadas” em alguns lugares, porque toda a metragem passou por revisão antes de sair da China para montagem na Itália — não fazia muito sentido haver essa resistência toda à obra. O fato é que há alguns momentos em que entendemos terem sido o pivô do impasse do Comitê chinês, mas mesmo assim não há nada de grande denúncia em tela. Os crimes de Mao, a miséria e a morte de inimigos políticos sequer são aludidos. A China é vista apenas em seus espaços mais comuns. Sequências em Pequim, Xangai, Nanquim, Suzhou, na Grande Muralha, em templos e nas tumbas Ming são exemplos do que se vê na fita, com takes de trabalho, arte, escolas, esportes; uma cena de parto, uma rara cena de um mercado de comércio livre (para um país comunista ter essa lufada de comércio de pequenas propriedades privadas é muito curioso) e cenas de discussões do Livro Vermelho, a Bíblia da “Revolução Cultural” naquele país.

À medida que o tempo passa e algumas repetições acontecem, o espectador lamenta a fixação de Antonioni em alguns lugares do país, especialmente no final da primeira e terceira parte do documentário. Diante de tantas possibilidades e coisas para mostrar, a quantidade de tempo gasto em uma única apresentação ou parte de uma cidade não foram boas escolhas. O mesmo vale para os longos planos em avenidas e em pessoas caminhando, takes com propósito de contexto que seria conseguido sem nenhum problema com planos mais curtos ou com uma maior rigidez no uso da narração, servindo como ponte de discussão entre cenários geográficos. A impressão final, mesmo com mais de três horas de filme, é que sequer arranhamos a superfície do básico, principalmente considerando o espaço fornecido para amenidades.

China é um documentário muitíssimo válido para termos um olhar daquele país no início dos anos 1970 sob as lentes de um grande diretor. Mas o público não deixará de sentir falta de uma maior gama de informações e nuances possíveis dentro de uma sociedade. Aqui encontramos um pouco de História, religiosidade, afazeres cotidianos, pobreza e elementos da cultura chinesa, mas não precisa muito para entendermos que o recorte deixou coisas muito mais interessantes de fora.

China (Chung Kuo – Cina) — Itália, 1972
Direção: Michelangelo Antonioni
Roteiro: Andrea Barbato
Narrador: Giuseppe Rinaldi
Duração: 190 min.

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