Chico Ventana Também Queria Ter um Submarino não dá respostas ao espectador, apenas abre portas, literalmente. Um filme que não se interessa por uma história propriamente dita, mas é um exercício formal de uma nova reconfiguração do espaço a partir de rearranjos cinematográficos como a montagem e a decupagem. Uma porta em um navio luxuoso na Patagônia leva para um apartamento de classe média no Uruguai, e vice-versa, assim como uma cabana em uma vila na Filipinas guarda esse mesmo poder, mas seus moradores não deixam que ninguém entre lá. Ou seja, há uma narrativa sobre destruição de fronteiras e encurtamento de distâncias.
Pelo prólogo nas Filipinas, fica claro que a natureza dessas portas já é conhecida pelos moradores da vila e há uma mistura de respeito e temor diante daquela cabana. Se o filme nunca explica exatamente o que ela é, cabe falar que, a nível metalinguístico, trata-se da própria magia do Cinema agindo, no sentido de que é a própria montagem desconstruindo qualquer senso lógico espacial e embaralhando a cabeça do espectador. Em um plano o protagonista está no navio, já no seguinte ele passa para o apartamento e depois volta para o navio. Como só se entende o que está acontecendo um pouco antes da metade do longa, até lá o diretor Alex Piperno confia que quem esteja assistindo sua obra fique muito instigado e incomodado com uma certa incongruência de continuidade.
Porém, não é só a partir da montagem que Piperno cria este incômodo, mas de uma própria decupagem formalista e sempre com planos rígidos. Em certos momentos de Chico Ventana Também Queria Ter um Submarino, a câmera só está apenas filmando o espaço vazio do apartamento e dos corredores do navio, mas já antecipamos que alguém pode surgir naquele plano. Neste sentido, carrega até uma certa fantasmagoria extremamente desconfortável, o que é sempre potencializado por uma iluminação predominantemente escura. Todo lugar parece mais como um não-lugar.
Evidente que deve haver algum tipo de aproximação entre os núcleos para que o filme seja mais do que um exercício formal. Socialmente, poderia se pensar que a similaridade surge a partir deste encontro entre duas figuras reprimidas: o jovem trabalhador que é um ninguém no meio do navio luxo (há um claro contraste entre tripulantes ricos com os funcionários) e a mulher solteira que é uma fantasma no meio da cidade grande. Nos dois núcleos, principalmente no do jovem, há uma intenção em ressaltar a monotonia de suas rotinas, o que explica esse desejo de fuga. Do improvável encontro que gera primeiro um estranhamento, se desenvolve um afeto materno entre uma mãe que precisa de um filho e vice-versa.
Importante é pensar no que exatamente significa a subtrama filipina, que mais parece um prólogo e epílogo. Diferentemente dos outros dois núcleos, seus personagens não exploram aquela porta que está diante deles, o que é posteriormente violando por um deles, escondido. Não há como prever as intenções de Piperno (que também é roteirista), mas sinto que há um comentário sobre como um fundamentalismo religioso baseado no medo do desconhecido pode fechar muitas portas para que se descubra as inúmeras possibilidades provenientes dele. Porém, quando algumas portas se fecham, outras se abrem, e aparentemente precisava de uma bomba para que as possibilidades se expandissem mais ainda. Agora, Chico Ventana, o menino sonhador, é livre no mar como aquela baleia cuja imagem foi contraposta a ele no início do filme. Se antes sua exploração se limitava a um apartamento, o infinito é o que lhe espera.
Chico Ventana Também Queria Ter um Submarino (Chico ventana también quisiera tener un submarino) — Argentina, Brasil, Filipinas, Holanda, Uruguai; 2020.
Direção: Alex Piperno
Roteiro: Alex Piperno
Elenco: Inés Bortagaray, Noli Tobol, Daniel Quiroga
Duração: 85 mins.