As possibilidades de puxar conversa numa sala de bate-papo, sem as inseguranças da rejeição presencial, transformaram este espaço num ambiente ideal para pessoas que vivem no constante processo de construção imaginada da realidade que as circundam. Apesar de ser menos badalada atualmente, caso façamos a comparação com as redes sociais, aplicativos e outros canais de interação virtual, os chats ainda estão cheio de pessoas que desejam jogar conversa fora, conversar com pessoas de interesses culturais semelhantes e, claro, combinar encontro sexuais envoltos nas mais loucas fantasias, algo típico de uma rede onde você cria seus personagens, diz o que quer sobre a sua forma física e os seus alcances intelectuais, além de outras projeções que o cinema constantemente debate quando o assunto é o comportamento humano e o ciberespaço.
Chat – A Sala Negra, dirigido por Hideo Nakata, aborda as celeumas de quem compartilha a sua existência constantemente dentro deste espaço, uma seara discursiva que nem sempre há pessoas interessadas em ajudar os desesperados que ali expõem as suas angústias e incertezas. Tendo como base o roteiro de Enda Walsh, dramaturga que também possui uma peça teatral homônima, o suspense apresenta, ao longo de seus 97 minutos, elementos fantásticos, embalados por traços narrativos do drama psicológico e do trillher, sendo este último pouco aproveitado na tentativa de tornar o filme um entretenimento reflexivo. Há discussões, as propostas nos permitem dialogar com pontos importantes da relação entre seres humanos e virtualidade, mas a trama peca por não dar ao material um ritmo empolgante dos seus primeiros momentos ao desfecho, como se o fôlego tivesse se perdido e os realizadores não soubessem como levar a trama até o seu encerramento.
Conduzidos pela trilha sonora atmosférica de Kenji Kawai, os cinco personagens principais de Chat – A Sala Negra, adentram o tal espaço, intitulado Chelsea Teens. Criada por William (Aaron Johnson), a sala de bate-papo é apresentada ao público como uma versão materializada dos ambientes virtuais. Ele é ardiloso e no auge de seus 17 anos, vive conflitos que o reprimem socialmente, haja vista o ódio que nutre pelo irmão e a constante degradação do ambiente familiar, a parte “vida real” da narrativa, envolta numa paleta de cores acinzentada. Tudo parece experimental em termos narrativos, mas logo se torna convencional. Neste local, os desejos são sobrepostos sem o peso da culpa, tampouco sem julgamentos excessivos. Há a contemplação de quem acompanha as questões alheias e expões as suas próprias, num jogo de trocar simbólicas que logo se tornarão mais físicas que o imaginado.
Ele caminha por um corredor com várias portas e ao chegar na selecionada, adentra e inicia a alegoria do ambiente físico de um chat. O seu espaço de manipulação dos jovens que tais como ele, vivem insatisfações diárias. Reclamam dos pais, dos conhecidos que os perturbam diariamente, do status quo, etc. William é a representação cabal da dupla personalidade, pois o seu comportamento em casa é o avesso da sua face sarcástica na internet. Ao adentrar na Chelsea Teens, encontra Mo (Daniel Kaluwya), rapaz que revela a sua atração pela irmã de seu melhor amigo, uma garota de apenas 11 anos de idade. Em Emily (Hannah Murray), ele enxerga uma garota bastante retraída e infeliz diante da sua condição, interessada em ser menos frívola na “vida real”. Jim (Matthew Beard) é outro dos tantos solitários que habitam a rede, jovem que coloca a sua frieza diária no contato com estranhos do outro lado da tela. William é, como apontado, o mentor do processo, criador da sala onde as pessoas podem compartilhar arquivos e expor as suas emoções por meio do texto.
O intuito do rapaz, no entanto, é revelado logo adiante, quando somos informados que o acesso é tão repressor que pode levar as pessoas para um lugar chamado dark place, ambiente que incentiva a morte por meio de tentativas de suicídio. Ficamos, então, na expectativa: será que o “monstro” real que age no virtual conseguirá cumprir a sua meta diabólica? Situados em ambientes concebidos pelo design de produção de Jon Henson, os envolvidos no jogo perigoso de William são captados pela direção de fotografia de Benoit Delhomme, setor sem grandes intervenções na narrativa, com movimentos, iluminação e enquadramentos básicos e de acordo com as convenções do suspense comum.
Não há ousadia na forma, tampouco no texto. A experiência não é exatamente descartável, mas quando falha esteticamente, junto com a morosidade do argumento e de seus desdobramentos, a coisa se complica. Nós, enquanto público que pretende se envolver com a história, somos levados a nos perguntar constantemente se é interessante mesmo continuar ou se mudar de sala, leia-se, cancelar a sessão, é a melhor opção. Lastimável, haja vista o potencial da discussão, mesmo que o tema sala de bate-papo já não seja tão empolgante quanto a dinâmica das redes sociais e dos aplicativos.
Chat – A Sala Negra (Chatroom) – Inglaterra, 2010
Direção: Hideo Nakata
Roteiro: Enda Walsh
Elenco: Aaron Johnson, Daniel Kaluwya, Hannah Murray, Matthew Beard, Dorothy Atkinson, Alex Blake, Amanda Boxer, Jacob Anderson, Matthew Ashforde, Megan Dodds, Michelle Fairley
Duração: 97 min.