Home QuadrinhosMangá Crítica | Chainsaw Man – Volume 1

Crítica | Chainsaw Man – Volume 1

O fetiche da motosserra.

por Ritter Fan
1,1K views

Dentre todos os instrumentos potencialmente mortais de uma lista imaginária de desejos de um ser humano comum, é bastante provável que a motosserra seja um dos mais cobiçados. Popularizada na cultura pop por meio de filmes de horror, notadamente, claro, O Massacre da Serra Elétrica, a serra motorizada que serve desde para devastar florestas inteiras até para esculpir gelo, passando pelo desmembramento de corpos humanos com diferentes graus de detalhamento gráfico, é quase que um fetiche e não há dúvida alguma que Tatsuki Fujimoto tinha a mais perfeita consciência disso quando, em 2018, concebeu o mangá Chainsaw Man ou, no bom e velho português, Homem Motosserra, que se tornou um mais do que gigantesco sucesso de vendas no Japão e no mundo e que já ganhou adaptação como série de TV animada e até mesmo uma versão teatral a ser lançada muito em breve.

O que realmente importa, porém, é se Chainsaw Man justifica sua existência para além de sua premissa, que é a fusão de Denji, um jovem paupérrimo que sonha em comer pão com geleia e apertar peitos que caça demônios para pagar a dívida de seu pai falecido com a Yakuza, com seu cão-demônio-motosserra Pochita, depois que os dois são despedaçados por uma horda de demônios-zumbis, resultando em sua habilidade de, ao puxar uma “cordinha” que sai de seu peito, transformar-se em um literal Homem Motosserra, com lâminas dentadas saindo de seu resto e membros. O destaque de tudo o que escrevi logo acima é o “para além de sua premissa”, pois a premissa, obviamente, é sensacionalmente diferente e, querendo ou não, violentamente hilária justamente por ter no exagero e no absurdo os seus alicerces.

E minha resposta categórica, mas baseada exclusivamente no Volume 1 da série, é um retumbante “não”, já que tudo o que Fujimoto faz, nesse começo, é rascunhar seu personagem e caracterizando-o como não mais do que um adolescente tarado, já que sua condição socioeconômica não tem quase impacto algum, especialmente porque o mangaká não consegue fazer dela um instrumento crível e efetivamente desenvolvido em sua narrativa. Se houve a pretensão de se fazer alguma crítica social sobre esse aspecto, ela é da mesma profundidade de pires que outras tentativas semelhantes do autor quando usa uma frase jogada do nada para satirizar o serviço público como o local para onde as pessoas vão para não trabalhar ou quando faz de Denji um adolescente que só pensa em “apertar peitos”.

Esse é, aliás, um dos problemas de Chainsaw Man que, naturalmente, leva a outro problema imediato, que é a repetição temática. A novidade de transformar um adolescente em uma motosserra humana acaba já na primeira aparição dele como tal, o que não seria ruim se o que está ao redor sustentasse a narrativa. Como isso não acontece, já que Fujimoto parece se contentar com diálogos rasos que por vezes me levam a desejar saber ler japonês para descobrir se não é algum problema com a tradução, tudo o que o leitor tem a esperar desse primeiro volume é a “próxima transformação” de Denji, o “próximo banho de sangue”, o “próximo vilão” e, claro, a “próxima bobagem adolescente que ele fala”. Obviamente que eu consigo imaginar um aumento de complexidade em volumes futuros e pode ser que uma análise de conjunto beneficie esse estágio inicial, mas futurologia não é minha especialidade, pelo que, no momento, tudo o que tenho para analisar é o Volume 1 objeto da presente crítica.

No quesito arte, Fujimoto não disfarça sua economia esperta que, não tenho dúvida, acelera e muito a produção de sua obra. O que quero dizer com isso é que o autor sabe quando precisa caprichar e quando pode ser espartano, característica que reputo positiva e não negativa, vale dizer. Com isso, ele mostra esmero no design de personagens e de criaturas – o Homem Motosserra completamente transformado é tudo aquilo que poderíamos imaginar de um… Homem Motosserra… e os demônios que ele enfrenta são variados e ameaçadores, mas também divertidos – e um detalhado e sanguinolento trabalho artístico nas sequências de puro morticínio. Quando a ação, transformação e os demônios não são mais tão importantes, Fujimoto, então, resume-se a trabalhar seus personagens quase que sem panos de fundo e com o mínimo possível de movimentações e expressões faciais, alcançando um equilíbrio otimizado de seus talentos que joga muito bem o jogo da produção enlouquecida de quadrinhos no Japão.

O primeiro volume de Chainsaw Man, portanto, não passa de um chamariz que, talvez, dependa demais de sua ideia base para seu próprio bem. Quando as quase duzentas páginas de serras e outros instrumentos cortantes causando o caos sanguinolento em carne e tripa demoníaca acabam, tudo o que fica é aquela sensação incômoda de que, de um lado, tudo o que tinha a ser mostrado já foi mostrado e, de outro, de como teria sido bom se Fujimoto tivesse dado um vislumbre um pouco mais completo de seus planos para um personagem tão brilhantemente bizarro quanto seu Homem Motosserra.

Chainsaw Man – Volume 1 (チェンソーマン/ Chensō Man – Japão, 2018)
Roteiro: Tatsuki Fujimoto
Arte: Tatsuki Fujimoto
Editora original: Shueisha
Data original de publicação: 2018
Editora no Brasil: Editora Panini
Data de publicação no Brasil: março de 2021
Tradução: Felipe Monte
Páginas: 192

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais