- OBS: O texto a seguir contém… SPOILERS? Não sei dizer ao certo, tenho que perguntar para o pessoal de divulgação da Netflix!
Tive alguma esperança que Céu Vermelho-Sangue fosse diferente da maioria dos enlatados de terror produzidos pela Netflix. Ora, se lermos a sinopse, veremos ideias bastante interessantes. Uma espécie de Um Drink no Inferno com outra circunstância e maior grau de seriedade na história, onde começaríamos assistindo a um filme sobre um atentado terrorista num avião e passaríamos para uma chacina vampírica no céu. Levando em conta que o diretor/roteirista Peter Thorwarth tem em seu currículo o argumento do fascinante A Onda, a minha expectativa era que a mistura de gêneros (terror, drama, ação e suspense) parisse algo original de suas derivações. E de certo modo, é verdade, mas a originalidade da mistura não é exatamente executada à altura, principalmente pela falta de um balanço mais objetivo em suas intenções.
Tudo bem que existe aí uma parcela de culpa do material promocional do longa que não faz o mínimo esforço em esconder sobre o que se trata, ainda que a narrativa em si crie toda uma redoma misteriosa em como isso vai se desdobrar. Em outras palavras, a intenção do diretor parece ser esconder os vampiros, ou melhor, esconder que a protagonista, Nadja (Peri Baumeister), é uma vampira, e a partir dessa revelação, aí sim, começar a encaminhar o filme para um exercício de gênero mais escancarado. O problema é que já sabemos dessa informação, e até lá, parece que o filme só está enrolando, o que de certo modo é um fato, afinal, são 40 minutos até acontecer a primeira transformação, e o texto tenta se manter numa comodidade que no final só cauteriza o filme como mais um enlatado do gênero.
Até gosto, pensando em termos de construção, do início direto na ação final para uma retroatividade de eventos já nos instigando a querer saber como chegou naquela situação colocada. Apesar de ser um recurso utilizado à exaustão, funciona para que o primeiro ato não fique tão moroso, e dentro do que ele primordialmente propõe, existe uma fundamentação interessante na mise-en-scène em dar o contexto geográfico como claustrofóbico, os tiques estranhos da “doença” da protagonista, e passear em closes com aqueles outros personagens que serão fundamentais à trama. A questão é que esse início não é só concentrado nesse núcleo, entrecortado com um flashback de Nadja em uma viagem num lugar nevoso com o marido. Além de quebrar a rítmica atmosfera dentro do avião, a subtrama do passado serve somente para dar explicação à virada, tornando-a telegrafável dentro da ideia do diretor de guardar as criaturas da meiuca para o fim. Ou seja, independentemente do erro da divulgação, falta o tato do momento de transição de tom, e isso faz total diferença para a condução do restante.
Dito isso, a meiuca consegue melhorar alguns aspectos, numa espécie de filme do Liam Neeeson em que, ao invés de um agente/ex-militar ou derivados, é uma vampira que tenta salvar os passageiros do atentado, brigando com a própria natureza num jogo de gato e rato interessante de se acompanhar. Mas, ao passo que não teve o proveito anterior do flashback da viagem, em já didatizar também o funcionamento exato dessa mitologia vampiresca (tipo, o que exatamente faz alguém mordido morrer ou se tornar vampiro?), no encaminhar do que deveria ser o melhor momento do filme, o terceiro ato de Céu Vermelho-Sangue se perde na condução da ação e da carnificina, não sabendo lidar tão bem com os arquétipos que posicionou e tentando puxá-los para uma dramática maior, que não funciona pela falta de aprofundamento e porque talvez a seriedade não fosse o melhor caminho depois de ter passado tanto tempo criando mistério para algo que, na prática, não precisava e não fazia a menor diferença.
O longa fica inflado e a parte mais chamativa da premissa para o entretenimento não é aproveitada, porque ao invés de ser escrachada ou objetiva, prefere-se focar em dinâmicas chatas visando a humanizá-la com o filho (Carl Anton Koch) – o menino burro viu… – num clichê conflito de maternidade entre o monstro/humano ou em qualquer outra subtrama envolvendo vários secundários, vilões ou mocinhos que se mostram imensamente desinteressantes. Destaco negativamente o subtexto que tenta ser inserido no incidente do terrorismo, quando o grupo europeu tenta colocar a culpa no passageiro descendente de mulçumano, Farid (Kais Setti), o que se reflete na tensão lá da última cena, com ninguém genuinamente acreditando em sua história. Não funciona porque além de esquemático, falta tato anterior do diretor ao instaurar o clímax muito cedo e não o sustentar, faltando 40 minutos para o filme acabar, com reinvenções de trama que o deixam o tempo todo no suspense. A climática parece inacabável, estafando o que poderia ser uma crescente interessante ao lado-b da narrativa, que definitivamente se leva a sério demais e não corresponde em substância a essa seriedade toda.
Céu Vermelho-Sangue é, para variar, mais um desperdício de uma boa ideia no catálogo do streaming vermelho, em uma duração um pouco maior do que de costume para seus enlatados feitos com a missão de chegar no Top 10 da semana, mas ainda um produto bem adaptado a esse objetivo. Há uma ou outra cena legal com vampiros, que são até bem inspirados em termos de estética, uma mistura de Nosferatu com o próprio Um Drink no Inferno, mas que não são suficientes para compensar a história estafante e enfadonha.
Céu Vermelho-Sangue (Blood Red Sky | EUA – Alemanha, 2021)
Direção: Peter Thorwarth
Roteiro: Stefan Holtz, Peter Thorwarth
Elenco: Peri Baumeister, Carl Anton Koch, Alexander Scheer, Kais Setti, Gordon Brown, Dominic Purcell, Graham McTavish, Kai Ivo Baulitz, Roland Møller, Chidi Ajufo
Duração: 121 minutos