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Crítica | Centro

por Davi Lima
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Numa mistura de Vinil Verde de Kleber Mendonça Filho com fotos sequenciadas numa montagem e uma preexistente narrativa sonora como Fantasia da Disney, talvez com esses exemplos com baixa assertividade comparativa possa-se imaginar qual a formulação cinematográfica que o diretor Peter Azen experimentou para sequenciar o som captado do centro do Rio de Janeiro. Após essa sujeição imaginativa para como o filme Centro se faz em uma pessoalidade do criador e do espectador que vivem na grande cidade, as correlações que se pode fazer tanto em atmosfera como em peculiaridades urbanas, que parecem coexistirem em metrópoles em meio ao Brasil, captam a atenção no produzir e no assistir da sequência de fotos que ora ilustram a edição de som, ora usam o som como cursor narrativo, fincando-o para que o carrossel “fotoprogramático” não perca o mapeamento do centro carioca. Porém, com essa inversão experimental da estrutura audiovisual, com a imagem provocando movimento com trilha acompanhante em prol do som movimentando a imagem estática de ilustração, nada valeria se os odores sonoros de Centro não fossem tão temporais e identificantes.

Mais uma vez utilizando do artifício da metáfora sinestésica após o texto do filme Natalis visto na 5ª edição do Festival Ecrã, o odor sonoro do filme Centro se faz como argumento positivo para a obra de Peter Azen por conseguir tornar a presença urbana suja, barulhenta e viva durante todo um dia contado por um relógio como a pele de alguém que conhece o tempo de andar e perambular por um centro de uma grande capital, ou os chamados centros históricos ou urbanos de cidades menores. Esses ambientes comerciais, com praças, com igrejas, uma verdadeira herança medieval de criação de burgos, igrejas e centro administrativo, constrói história, como um chão reformado que guarda camadas e pisos de outros tempos que outras pessoas caminhavam no mesmo lugar. 

É essa marca que as fotos selecionadas pelo diretor Peter ganham vida por a edição de som colocar esse escritor que vos escreve de volta ao centro da capital Fortaleza no Ceará, por exemplo, reconhecendo as semelhanças e diferenças do centro do Rio de Janeiro, mas ambos centros de vozes de microfone vendendo os mais variados produtos, até mesmo cachorro dentro de um estabelecimento alimentício. É uma turba sistemática, uma antítese completa, em que a aparente desorganização cheira à natureza harmônica, como se o centro de uma cidade necessitasse de uma vida temporalmente agitada e demarcada pelo relógio, sem alienação dos shoppings, como uma vivência história social sem paredes onde pode-se alcançar com o espaço central da cidade, que nominalmente não é o alinhamento dos segmentos em um círculo urbano.

Após uma divagação que consiste na relação de identificação que um centro da cidade fomenta, e como provoca-se a partir da palpabilidade de como o relógio é sentido e compreendido tanto na rua como nas praças, isso também perpassa pela maneira como Peter Azen parece relacionar-se com o Rio e identificar esse tempo do relógio. As escolhas estéticas do filme, nesse sentido, abrem para o público se relacionar, mas isso também parece ser consequência da energia que foge do íntimo hermético que o diretor formula cinematograficamente para seu filme e sobre como odores sonoros que se podem cheirar ao assistir Centro. Ainda que haja o dinamismo de pausas sonoras, e até mesmo um crescimento narrativo do comércio mais ordinário até algo mais perto da orla marítima carioca, passando por monumentos e prédios históricos como o museu de História Histórico Nacional e Biblioteca Nacional, há uma moral da fusão mais direta da imagem e do som mais abrangente e pessoal do diretor que conflita com os ajustes temporais deterministas que vão aparecendo no percurso da narrativa do filme. 

Quando chega-se à passarela do Carnaval do Rio a imagem conseguinte de uma figura religiosa cristã pausa a música carnavalesca e  o samba, que surgem no momento anterior como ilustração, não como percurso urbano de um Google Maps padrão que o longa fazia. Provavelmente isso acontece para surgir o embate moral colocado pelo diretor na dialética de imagens e sons entre Carnaval e Cristianismo, que se ajuntam num culto umbandista perto do fim de o Centro. Por outro lado, essa abrangência pessoal, que poderia ser uma transformação narrativa, parece pertencer a outro filme, que em linha parece propor mais chão palpável, mais pessoas falando no filme, declamando a edição sonora como ainda mais vivente e a imagem em constante tateamento criativo de identificar esses viventes urbanos.

O filme Centro começa crescer na medida que o mais recluso e temporal momento factual da história é um homem comentar sobre a história do Brasil e sua grande horda de contradições a dar voz ao trabalho espacial de Peter, colocando o filme Centro retratando prédios históricos como uma insurgência além da visibilidade urbana e nacional que o centro carioca quer gritar, e sim como um aporte histórico e colonial que fica entre o Caribe e a África. Assim, o centro do Rio aumenta em identificação nacional e quebra-se qualquer visão mais “sudestina” de Peter quanto ao centro que ele fotografa pertencer a ele ou ser dissociado do Brasil, ou como único representativo do verdadeiro Brasil. Tanto que ao se captar qual momento estar se gravando o filme, com a edição de som falando da transição da âncora do Jornal Hoje, da Sandra Annenberg para Maju Coutinho, além dos créditos iniciais ditando 2019 como período das fotos, se desmancha a identificação exclusiva de Peter em meio a sua moral que ele propõe em alguns momentos.

Enfim, o carrossel de fotos assistido no filme vai se temporalizando e se tornando rotina na velocidade das fotos e na percepção dos ponteiros do relógio. O longa Centro se torna uma matéria de discurso espacial de fácil identificação com espectadores pelo retrato urbano no tempo, e vai expondo Peter Azen em sua maneira moral de compreender o tempo desse cotidiano no meio citadino carioca. Sobram odores sonoros da primeira à última cena do filme, mas independente do tato fílmico que a obra transmite com os ares de um centro urbano, se o valor da obra resplandece mais visível em seu tempo com o som e o que as fotos mapeiam de um grande centro metropolitano, a moral do diretor também evidencia como facilmente esses odores se tornam fumaça. Quebra-se a unidade da obra, porém o direção é precisa em contemplar que a herança medieval também pode ser uma ilusão de um tempo programado na nostalgia de fotos que podem ser construídas. O centro nunca é inocente, é um chão social de identificação e tempo a serem questionados.

Centro (Centro) – Brasil, 2021
Direção: Peter Azen
Roteiro: Peter Azen e Daniel Castanheira
Elenco: os prédios, principalmente.
Duração: 70 minutos.

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