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Crítica | Cemitério do Esplendor

por Pedro Roma
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Apelidado como ‘’Joe’’ para a audiência ocidental não ter problemas para falar seu nome, o Tailandês Apichatpong Weerasethakul é reconhecido como um cineasta de sensações. Recorrentemente indagado sobre a propriedade desse tal cinema espiritual feito por ele, em suas obras ele utiliza suas tradições e raízes de sua terra natal e homenageia fortemente suas raízes culturais. Vemos em suas obras temas geralmente simbólicos, fortemente pautados em fantasmas presos à terra, que não desencarnaram, ou relações familiares distantes pautadas por uma típica da crise referencial que as regiões ditas ‘’ocidentalizadas’’ carregaram e ainda sustentam até hoje. Será essa angústia: a terra ou o céu; a vida ou a morte; dietas (e valores) modernas ou ritos de antepassados, onde seus questionamentos se estruturam geralmente levados na dissolução do maniqueísmo que permeia o imaginário ocidental. Além do bem e do mal Joe nos coloca em uma realidade que está longe de não ter conflitos, mas onde deus e natureza não se separam; mito e verdade tampouco, e o fim determina somente outro início.

Dito como um de seus filmes mais simples para a audiência, Cemitério do Esplendor perpetua as técnicas e estéticas comuns á sua direção. Seus planos são parados, em geral há pouquíssimo movimento e, quando ali existem, eles têm uma sutileza e monotonia digna do estereótipo dado geralmente ao cinema iraniano. Parece que o autor espera um tempo infinito para demonstrar o mais ínfimo ato, sua maneira de representar o cotidiano é muito própria e se ancora no tédio que o permeia, em diálogos banais que guardam, despretensiosamente, grande sabedoria. Vistos desse ponto, lembram, de maneira distante, os de Richard Linklater, porém o rumo de sua mise em scène promove um ar despretensioso, muitas vezes entendido como amador, como na cena em que pessoas desconhecidas de um parque mudam estranhamente de lugar, como em uma dança. É esse tipo de ação que faz parte de seu repertório simbólico, o comum que grita.

Os personagens que ele abriga em sua obra não se importam com um arco dramático, causa e consequências valem muito pouco, o que necessariamente não implícita em um problema, mas numa mudança de entendimento e forma alternativa de representação cinematográfica. Essa película, assim como seus outros filmes, nos faz acreditar que estamos frente a um aquário — como já dito pela crítica brasileira de forma displicente — o qual somente se observa passivamente, mas é necessário um olhar mais relutante para absorver o que passa o artista. Seu filme também não é uma obra irretocável, ao contrário, ela é cheia de problemas.

Partindo de um grupo de quatro soldados que internados em um hospital recebem tratamento alternativo de cura à base de luz, que dão um retoque experimental á fotografia, a obra tem por interesse usar os diálogos do dia a dia de seus personagens para compor as pequenas desilusões cotidianas. A sequência de fusão na qual o plano em que pessoas andam apressadamente no shopping se mistura com a lentidão das luzes que almejam curar os soldados, mostra-nos que é na lentidão que a vida encontra seu ritmo.

Essa distinção entre a lentidão de um mundo pleno de tradições antigas, representados por fantasmas e memórias passadas que são realmente vividas no presente, com um mundo caótico da cidade, às vezes não se tem um desenvolvimento interessante, apenas uma exata pretensão de desenvolver essa história. Ela é dada a conta gotas em longas sequências. Aqui o diretor derrapa, sua forma de conduzir não esconde problemas que seu filme tem com estrutura e narrativa, e não é a ‘chatice’’ que faz pensar isso, o que pesa é a falta de objetividade, não que ela fosse esperada, mas muitos elementos parecem fortemente jogados ao longo da história.

Dentro de sua lógica o filme se interessa por constituir uma crítica ácida ao ritmo ocidental de civilização e a rapidez de uma sociedade que se autocanibaliza ao mirar na materialidade e na mercadoria a resposta para as inquietações humanas.

Chego ao ponto central da crítica. O que torna Cemitério do Esplendor uma experiência interessante no cinema não será a força de seus planos ou a virtuose de seus enquadramentos, a importância é o valor de sua mensagem, que aqui apresenta um jeito tão radicalmente diferente de enxergar a realidade semelhante ao choque que o espectador comum tem com o cinema chinês ou mesmo o tibetano. Da forma como é apresentado faz-se necessário que o espectador pare e observe a profundidade da mensagem com a qual irá se deparar. Uma abordagem nova, que não só significa, mas uma procura por significar novamente velhos hábitos, o mais próximo da vida cotidiana.

Cheio de redenção, o conhecido cinema espiritual proveniente do realismo fantasmagórico asiático promove uma estética fora dos preceitos clássicos de narrativa, embarcam o mundo numa realidade sem verdade o que pode incomodar e passar a impressão de obra mal realizada, mas acreditem é algo bastante necessário. O que torna esse exemplo do movimento tão interessante é sua coragem de ser um tempo morto, que faz viver aquilo que não é visto, novamente, os fantasmas, que diferentes dos nossos, não assombram, mas aconselham. Isso é Cemitério do Esplendor, um longevo aconselhamento.

Cemitério de Esplendor (Rak ti Khon Kaen, Tailândia, Reino Unido, Alemanha, França, Malásia, Coréia do Sul, México, Estados Unidos, Noruega – 2015)
Direção: Apichatpong Weerasethakul
Roteiro: Apichatpong Weerasethakul
Elenco: Jenjira Pongpas , Banlop Lomnoi , Jarinpattra Rueangram , Petcharat Chaiburi , Tawatchai Buawat.
Duração: 122 min.

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